O Último dos Caudilhos
- Gabriel Passos
- há 11 horas
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Gabriel Passos¹
No último sábado (21 de junho) completaram 21 anos do falecimento de Leonel de Moura Brizola líder histórico do PDT e um dos maiores nacionalistas brasileiros, frequentemente descrito como o "último caudilho" devido ao seu estilo de liderança carismático e populista, que lembra os líderes caudilhos latino-americanos do passado, embora Brizola tenha atuado dentro de um contexto democrático. Ele foi um líder trabalhista que governou o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, sendo reconhecido por sua capacidade de mobilizar e galvanizar grandes grupos de pessoas em torno de suas ideias e projetos políticos.
Embora não tenha sido contemporâneo da geração positivista do castilhismo e do borgismo², Brizola foi um típico produto dessa herança de seus antecessores, e não um típico caudilho latino-americano. Sua biografia política sempre esteve associada à valorização da instituição – partido político –, antes e depois do exílio, o que é parte da cultura republicana regional em que o “coronel-burocrata” apoiava seu poder na estrutura do Partido Republicano Rio-Grandense para enfrentar a hegemonia econômica e política dos herdeiros dos federalistas de Silveira Martins. Não teve uma visão instrumental dos partidos como Vargas, que no Estado Novo governou sem partido e na redemocratização, em 1945, fundou o PSD e o PTB. Vargas sempre esteve acima dos partidos. A fidelidade de Brizola ao PTB foi permanente e, quando perdeu a sigla, lançou-se na construção de seu novo partido: o PDT.
Em 19 de janeiro de 1947, ele foi eleito deputado estadual, participando da elaboração da Constituição gaúcha. O PTB, que tinha a maioria na assembleia, aprovou (com o apoio de Brizola) a instituição do regime parlamentarista no Estado --governado por Válter Jobim, do PSD--, mas o STF decidiu que essa decisão era inconstitucional.

Em 1º de março de 1950, Brizola casou-se com Neuza Goulart, irmã do então deputado estadual João Goulart. O padrinho do casamento foi o próprio Getúlio Vargas --que, em 3 de outubro, foi eleito presidente da República. No mesmo pleito, Brizola foi reeleito deputado estadual. Em março de 1951, Brizola tornou-se líder do PTB na Assembleia Legislativa e pouco depois se candidatou a prefeito de Porto Alegre. Perdeu o pleito, em 1º de novembro, por pouco mais de 1% dos votos.
Em 1952, ele foi nomeado secretário de Obras do governador Ernesto Dornelles (PTB). Dois anos depois, foi eleito deputado federal pelo PTB em outubro de 1954. Tomou posse na Câmara em 1955, mas ficou pouco tempo na Casa: em outubro de 1955, foi eleito prefeito de Porto Alegre. Sua gestão foi marcada pela construção de escolas primárias e melhoria dos transportes coletivos na cidade.
A relação de Brizola com o positivismo institucionalizado começou através de sua trajetória no ensino técnico. Filho de pequenos agricultores, nascido no interior de Carazinho (RS) em 1922, Brizola iniciou os estudos primários em São Bento, continuou-os em Passo Fundo e, de volta a Carazinho, concluiu-os no colégio da Igreja Metodista em 1933. Foi em Porto Alegre, porém, que encontrou o ambiente que seria marcante para sua visão de mundo. Ao cursar o Instituto Agrícola de Viamão, que fazia parte da Universidade Técnica, aproximou-se de professores positivistas, dentre os quais Mozart Pereira Soares. Formado como técnico rural, tornou-se funcionário do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura de Porto Alegre e, ali, um dos responsáveis pelo planejamento e arborização da várzea do principal espaço verde da cidade: o Parque Farroupilha.
Essas experiências o levarão, em 1945, encorajado por seu tutor, a estudar na Escola de Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul, fundada em 1896 pelos positivistas, cujo curso completaria em 1949, depois de ter concluído o supletivo no Ginásio Júlio de Castilhos, também da universidade. Certamente esse ambiente positivista o conduziu à Escola de Engenharia, e não à Faculdade de Direito, celeiro tradicional da classe política pelo qual haviam passado Getúlio Vargas e João Goulart. Na realidade, à época, “os republicanos no poder garantiram parte dos empreendimentos da escola” e “não havia distinção entre a política de ensino da Escola de Engenharia e o projeto do Partido Republicano Rio-Grandense, propugnador do positivismo no estado³”.(TRINDADE, H.)
Essas três marcas – a valorização do partido político, a formação técnica e de engenheiro e a importância da educação – foram traços permanentes em sua biografia política. Não foi aleatório o fato de ter estado entre os fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no Rio Grande do Sul, associando-se, como líder estudantil, às diferentes correntes formadoras do partido⁴. Seu batismo político foi ao lado de Alberto Pasqualini, o principal teórico do trabalhismo, na campanha para o governo do estado. (TRINDADE, H.)
Após a morte de Getúlio Vargas em 1954 Brizola junto ao seu cunhado João Goulart (ex-ministro do Trabalho, Indústria e Comércio do Brasil no Governo Vargas II) assumem a linha de frente do Nacional Trabalhismo encabeçado pelo PTB fundado por Vargas , Em outubro de 1958, foi eleito governador gaúcho, com mais de 55% dos votos. Empossado em janeiro de 1959, criou a Caixa Econômica Estadual e adquiriu o controle acionário do Banco do Rio Grande do Sul. Criou a Aços Finos Piratini e a Companhia Riograndense de Telecomunicações e pressionou o governo federal a instalar uma refinaria no Estado. Encampou a Companhia Telefônica Rio-Grandense, uma subsidiária da ITT. No setor de educação, construiu 5.902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e 131 ginásios e escolas normais.
Em 1959, o déficit de vagas foi estimado em 273 mil. O governo estabeleceu mais de duzentos acordos com escolas privadas para que, em troca de receberem professores do estado e verbas públicas, disponibilizassem vagas gratuitas. Para a construção de instituições de ensino, o governo realizou um acordo com os municípios e a iniciativa privada. Ao término de seu mandato, haviam sido construídos 6 302 estabelecimentos de ensino, dos quais 5 902 eram escolas primárias, 278 eram escolas técnicas e 122 eram ginásios.
As escolas, que ficaram conhecidas como "Brizoletas" ou "escolinhas do Brizola", possuíam uma arquitetura simples, sendo parecidas com residências. Estes investimentos resultaram na abertura de 689 mil matrículas e 42 mil vagas para docentes, com o Rio Grande do Sul passando a ter a mais alta taxa de escolarização do Brasil. Duas características marcantes desse projeto foram a padronização arquitetônica das escolas - todas pintadas de verde, amarelo e azul, eram feitas de madeira e com uma treliça em parte da área do alpendre, na frente - e a proposta de interiorização das escolas, com a construção de Brizoletas em áreas rurais de municípios do interior do Rio Grande do Sul tais como: São Francisco de Paula, Santo Antônio da Patrulha, Gravataí e Taquara.


Brizola vinha tentando, sem sucesso, negociar com a empresa norte-americana um acordo para ampliar a distribuição de energia do estado. Grande parte da população rio-grandense, incluindo na capital, Porto Alegre, vivia às escuras.
Como os entendimentos não avançavam, Brizola deu por encerradas as negociações e, alegando ineficiência da empresa e prejuízo ao desenvolvimento do estado, anunciou a expropriação da CEE e a criação de uma estatal para assumir suas atribuições.
A medida, ousada e surpreendente, abalou as relações entre Brasil e Estados Unidos — até aquele momento, nem mesmo Fidel Castro e Che Guevara, os revolucionários de Cuba, haviam se atrevido a tanto.
Após analisar a questão, Brizola havia concluído que o Brasil sofria um processo por ele denominado como “Perdas Internacionais”, provocadas por organizações estrangeiras — protegidas por seus países de origem.
A partir desta concepção, o chefe do Poder Executivo estadual começou a enfrentar a Companhia Telefônica Riograndense, filial da ITT. Da mesma forma que a Bond and Share, a concessão da ITT também estava encerrada. E igualmente exigia condições semelhantes para investir. As negociações se arrastaram por dois anos.
Ao final, chegaram ao acordo para a criação de uma sociedade de economia mista, com participação do governo (25%), da ITT (25%) e dos usuários (50%). Faltava ainda a questão do valor do acervo da ITT. Governo e empresa designaram dois árbitros, que escolheriam um terceiro caso necessário. Brizola considerou alta a avaliação do império. Mas não abriu o bico.
Dois meses depois, a ITT mudou sua direção: afastou o vice-presidente e exigiu novas negociações, alegando que o laudo não era satisfatório. Foi só então que o incendiário Brizola anunciou a expropriação dos bens da companhia.
Tudo concebido a partir dos valores avaliados pelos árbitros. Mas descontando o que havia sido doado pelos governos para composição da rede, assim como os lucros remetidos ilegalmente para o exterior. Tudo ao melhor estilo Getúlio Dornelles Vargas. O poder judiciário autorizou a emissão de posse imediata, para estupefação dos “xerifes do mundo” (na época essa medida permitiu o Triplicação da produção de eletricidade do estado, acabando com os racionamentos de energia).
A CEEE é estatal até hoje. Orgulho dos gaúchos, em pleno apagão de FHC, nos anos 1990, o Rio grande foi o único estado que não ficou no escuro.

A REFAP - Refinaria Alberto Pasqualini, unidade de refino da Petrobrás, teve o início de suas obras em 1962, com a desapropriação da área ( parte do programa de reforma agrária de Brizola no RS ) no ano anterior, 1961. Suas operações iniciaram em 1968. A sua instalação, iniciada no governo de Leonel Brizola, foi um marco importante na industrialização de Canoas e até hoje é empresa fundamental, abastecendo de derivados de petróleo o nosso Estado e parte de Santa Catarina, sendo responsável por grande parte da arrecadação de impostos no município de Canoas e no estado do Rio Grande do Sul.


Movimento da Legalidade, em favor da posse do vice-presidente João Goulart com a renúncia de Jânio, que projetou nacionalmente Brizola. Assumiu, como governador de um estado do extremo sul, a causa da posse de forma pública e destemida, enfrentando o veto militar por meio da Rede da Legalidade, que envolvia mais de uma centena de emissoras do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná. O movimento mobilizou amplos setores civis e militares dispostos a repetir a façanha da Revolução de 1930. Diante da ordem do ministro da Guerra para pôr fim ao movimento, o comandante do III Exército foi ao Palácio Piratini não para prender Brizola, mas para manifestar sua adesão. Foi destituído de suas funções, mas comunicou aos superiores hierárquicos que se o novo comandante viesse assumir seu lugar em Porto Alegre seria preso. O desenlace do movimento, no ponto alto de sua tensão político-militar, só encontrou saída na negociação conduzida por Tancredo Neves: os militares aceitariam que Jango assumisse como presidente num sistema parlamentarista. A frustração de Brizola diante do acordo o levará a uma maior radicalização ideológica e, em novembro de 1961, foi um dos articuladores da Frente Nacional de Libertação, que congregava as forças políticas anti-imperialistas.
Com a posse de Jango em 7 de setembro, Brizola explicitou sua discordância com a adoção do parlamentarismo por considerar que violava a Constituição. A instabilidade do parlamentarismo revelou-se, desde logo, com a renúncia do primeiro-ministro, Tancredo Neves, em junho de 1962; a inviabilidade política de San Tiago Dantas e Auro de Moura Andrade; e as dificuldades do novo chanceler Brochado da Rocha. Este tentou, sem sucesso, aprovar um projeto de lei que antecipava a data do plebiscito sobre o sistema de governo, mas renunciou, em setembro, sob a pressão do governador Lacerda. Sua renúncia provocou uma greve geral organizada pela CGT com o apoio dos setores militares nacionalistas. O Congresso cedeu, enfim, às pressões e estabeleceu a data do plebiscito para 6 de janeiro de 1963, quando a opção pelo retorno ao presidencialismo venceu amplamente, restabelecendo os poderes de Jango.
Por sua vez Brizola, para não ser obrigado a se desincompatibilizar do governo gaúcho, decidiu concorrer a deputado federal pela Guanabara com o apoio da Aliança Trabalhista Socialista, formada pelo PTB e pelo PSB, e recebeu, então, a maior votação obtida por um deputado no Congresso Nacional. Tornou-se o vice-líder do PTB na Câmara e assumiu nacionalmente a posição de “líder preeminente da esquerda radical”, pressionando o governo para que aprofundasse as “reformas de base”. Em 1962 liderou a formação da Frente de Mobilização Popular (FMP) integrada pela CGT, UNE, Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e por setores militares nacionalistas.

As divergências entre Brizola e Jango foram se acumulando com a acusação de que este estaria conciliando com setores conservadores e imperialistas. E se aprofundaram com as negociações entre o governo brasileiro e a American and Foreign Power Co. (Amforp) para a compra de bens americanos no Brasil por um valor considerado exorbitante pelos setores nacionalistas mais radicais. Brizola avisou que a conclusão do acordo produziria a ruptura das forças nacionalistas de esquerda com o governo federal e acusou os ministros da Guerra, da Fazenda e da Indústria e Comércio de “traidores dos interesses nacionais”.
Sua radicalização foi se intensificando para atingir o limite da provocação política. Em comício, em Natal, afirmou ser necessário “colocar mais fogo na fogueira e aumentar a pressão contra o Congresso para conseguir a aprovação das reformas indispensáveis à vida brasileira” e, aludindo ao general Murici, comandante local, acusou-o de “gorila e golpista”. Em meio a essa radicalização crescente San Tiago Dantas fez um pronunciamento em que lançou a tese das duas esquerdas: a “positiva” e a “negativa”. Identificando-se com a primeira, acusou Brizola de, por seu extremismo, assumir atitudes “negativas” para o desenvolvimento econômico e político do país. Fracassado o Plano Trienal, a reforma ministerial concede a presença de um representante da esquerda radical para a pasta da Educação, o deputado Paulo de Tarso dos Santos.
Todo esse processo radicalizado, inclusive pelas divisões internas da esquerda, desembocou no comício de 13 de março para pressionar o Congresso a aprovar as reformas de base. Na ocasião, na presença do presidente da República, Brizola questionou em seu discurso: “Se os poderes da República não decidem, por que não transferimos essa decisão para o povo, que é a fonte de todo o poder?” O desenlace desse processo de radicalização provocativa – como se não houvesse risco de intervenção dos militares diante do propalado “esquema militar” de sustentação ao governo – será o golpe militar de 1964 e 21 anos de ditadura.
Durante os dois primeiros anos Brizola articulou conspirações contra a ditadura militar. Essas ações insurrecionais desconectadas fracassaram por diferentes razões. O governo militar sempre pressionou o governo uruguaio para expulsar Brizola. Este decide confiná-lo, de 1965 até 1971, na cidade balneária de Atlântida. A partir de 1967, a avaliação de Brizola era de que o regime militar estava consolidado e abandona, então, as ações armadas, inclusive as ligações com Cuba, embora ainda rompa politicamente com Jango, denunciando as articulações da Frente Ampla com Lacerda e JK.

A fase politicamente mais importante do exílio começou com sua expulsão pelo governo uruguaio, em setembro de 1977, sob a alegação de que violara as normas de asilo. Sua ida para Nova York foi legitimada pelo governo de Carter em nome de uma política de direitos humanos. Essa mudança foi marcante para a evolução política de Brizola e sua visibilidade internacional: “Reconciliou-se com o governo dos Estados Unidos, reconhecendo erros recíprocos do passado e declarando-se socialdemocrata e ocidentalista, como um político qualquer da civilizada Europa do Centro-Norte”.

Sua mudança para Lisboa no início de 1978 aproximou-o do primeiro-ministro socialista Mário Soares e viabilizou sua circulação nas reuniões da Internacional Socialista. O radical Brizola transformava-se, pouco a pouco, num respeitável socialdemocrata europeu que se preparava para retornar a seu país com um novo projeto político. Brizola promoveu, em Lisboa, uma primeira reunião de trabalhistas e socialistas brasileiros de diversas origens ideológicas (trabalhistas, socialistas, cristãos e marxistas sem partido) e oriundos do México, da Argélia e da Europa para discutir a formação de um novo PTB à luz da nova realidade internacional.
A partir de sua ida para o Hemisfério Norte, Brizola desenvolve contatos com exilados brasileiros em várias partes do mundo. Estabelece em Portugal uma espécie de base para encontros com personalidades políticas internacionais, viaja para França, Suécia e Alemanha: “Como resultado desses contatos, Brizola acaba por ser convidado a tomar assento, como representante do Brasil, na Internacional Socialista, inicialmente como observador e depois como membro efetivo daquela instituição”, da qual participavam Brandt, Mitterrand, Soares, Gonzáles, Palme. Tal reconhecimento político reforçou em Brizola “sua posição de democrata vocacionado para questões sociais, sem comprometimento, por outro lado, com o marxismo ou com as teses revolucionárias”


A Carta de Lisboa levantava bandeiras urgentes naquele momento como a luta pela anistia geral e irrestrita a todos os “patriotas brasileiros perseguidos por sua resistência à ditadura” e pela “normalidade democrática”. É lógico que a defesa do trabalho e do trabalhador figurava no documento.

Depois do Encontro de Lisboa, recém chegado de 15 anos no exílio, Brizola começou imediatamente a “refundar” o PTB, o partido criado por Vargas em 45 que reunia os trabalhadores. Mas a ditadura, com a ajuda do TSE, tira a sigla PTB de Brizola. E ele, publicamente, chora ao tomar conhecimento da decisão. Isto não o impede de continuar na luta.

O seu gesto inspira o poeta Carlos Drummond de Andrade a escrever “Eu vi”, poema publicado originalmente no Jornal do Brasil.
Carlos Drummond de Andrade
Vi um homem chorar porque lhe negam o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha(*) porque lhe deram esse direito negado ao outro.
Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas.
Homicídios que não se praticaram mas que foram autênticos homicídios: o gesto no ar, sem consequência, testemunhava a intenção. Vi o poder dos dedos. Mesmo sem puxar o gatilho, mesmo sem gatilho a puxar, eles consumaram a morte em pensamento.
Vi a paixão em todas as suas cores. Envolta em diferentes vestes, adornada de complementos distintos, era o mesmo núcleo desesperado, a carne viva;
E vi danças festejando a derrota do adversário, e cantos e fogos. Vi o sentido ambíguo de toda festa. Há sempre uma antifesta ao lado, que não se faz sentir, e dói para dentro.
A política, vi as impurezas da política recobrindo sua pureza teórica. Ou o contrário.. Se ela é jogo, como pode ser pura… Se ela visa o bem geral, por que se nutre de combinações e até de fraudes.
Vi os discursos…
(Publicado no Jornal do Brasil, 15/05/80 – Caderno B – Pg. 1)

O projeto político de Brizola, apoiando-se, como no passado, numa estrutura partidária, estava claramente direcionado para um alvo maior: à Presidência da República. A questão que se colocou desde logo era: qual seria o alcance político nacional do brizolismo? A imagem do esquerdista radicalizado e do organizador de ações guerrilheiras ficou no passado e surgia agora a figura do novo líder adaptado às exigências da redemocratização em curso que trazia como capital as experiências acumuladas, a maturidade política e o reconhecimento internacional. Era indiscutivelmente, no vazio das lideranças nacionais exiladas, o mais qualificado a aspirar ao papel de estadista. No entanto, os limites nacionais do brizolismo, com uma implantação regionalizada, acabaram frustrando suas ambições.
Novamente escolhe o cenário político do Rio de Janeiro para reconstituir sua força político-eleitoral e estabelecer as bases para seu objetivo maior. Sua candidatura, em 1982, à sucessão de Chagas Freitas foi aceita “para oferecer uma alternativa verdadeiramente democrática ao povo fluminense”, considerando-se “o único representante da oposição autêntica, sem cumplicidades”. Eleito, realiza um governo em que retoma as velhas prioridades do passado: com Darcy Ribeiro implanta os CIEPs, destinados à educação em tempo integral das crianças das áreas periféricas.

Os "brizolões", como passaram a ser chamadas as unidades, tinham o objetivo de fornecer não só a alunos e alunas, mas também às suas famílias, uma perspectiva positiva de futuro; com ensino integral e plural, o foco era na educação cidadã.
As centenas de unidades dos Cieps estão espalhadas pelo estado, principalmente em áreas mais carentes. Algumas revitalizadas, outras totalmente desfiguradas e abandonadas. Nos subúrbios do Rio, a memória de ex-alunos e ex-alunas é sempre carinhosa; lembram das refeições feitas ao longo do dia, do banho tomado, dos atendimentos odontológicos e das atividades extracurriculares.
A primeira unidade data do dia 8 de Maio de 1985. O Ciep 001 fica no Catete e leva o nome de Tancredo Neves. A escolha do nome foi em homenagem ao ex-presidente, falecido semanas antes da inauguração.
O projeto dos prédios foi desenhado por Oscar Niemeyer e incluía, além do prédio principal, um espaço externo amplo com quadra para esportes e sala de atividades literárias.

“O Ciep é a minha grande alegria, e é também o meu orgulho”. Assim, Darcy Ribeiro iniciava seu discurso em frente a uma das 500 unidades construídas por Leonel Brizola durante sua primeira gestão (1983-1987) do estado fluminense. A iniciativa pedetista dos Centros Integrados de Educação Pública representa, até o hoje, o maior projeto para o setor que o Brasil já teve.
Visionário, Darcy já indicava o caminho para emancipar o povo. “Ciep é a escola que o Brasil precisa!”.
Ao todo, entre dois mandatos, de 1983 a 1987 e de 1991 a 1994, o governo de Brizola entregou ao estado do Rio de janeiro 506 Cieps. O empreendimento, que exigia recursos, contratação e formação de profissionais e de professores, foi muito criticado e acabou sendo modificado ao longo dos anos, Atribuições de saúde ou assistência social concentradas no Cieps passaram para as outras pastas nos governos seguintes.
Hoje, essas escolas estão distribuídas entre gestões municipais ( apenas o município do Rio é responsável por 101 Cieps, estadual e federal. O funcionamento também mudou, e o ensino integral não é mais a realidade de todas instituições, Alguns Cieps tornaram-se Escolas de Novas Tecnologias e Oportunidades ( E-Tecs), outros , escolas interculturais. Há ainda escolas cívico-militares, que possuem parceria com a Polícia Militar ou com o Corpo de Bombeiros.

Leonel Brizola, duas vezes governador do Rio de Janeiro, acreditava que pela educação se pode transformar uma sociedade desigual, como a brasileira. Daí, o seu ousado projeto dos Cieps (no topo). Embaixo, à esquerda, Darcy Ribeiro, então vice-governador, visita turma de alunos em um Ciep. À direita, Darcy, Brizola, Oscar Niemeyer e Jamil Haddad conversam sobre o projeto. Fotos: Acervos Fundar, Cieps e Agência Senado.
Também durante o governo Brizola no Rio de Janeiro foi criado o Sambódromo da Marquês de Sapucaí que é ícone máximo do maior evento cultural do Rio de Janeiro e do Sudeste com desfiles das tradicionais escolas do Rio assistidos por pessoas notáveis do mundo inteiro, Foi na intenção de gerar economia de gastos que nasceu a ideia de se erguer o Sambódromo da Marquês de Sapucaí que, assim como os CIEPS, tem a arquitetura elaborada por Oscar Niemeyer. Ele foi construído em tempo recorde (menos de 1 ano) no centro do Rio de Janeiro, junto a Praça Onze.
Outras realizações como expansão da linha vermelha em 1992 , Rio de Janeiro sediou a conferência Rio 92 que tratou de temas ligados ao meio ambiente mundial. Preocupado com o deslocamento dos inúmeros chefes de países, o segundo governo Brizola providenciou, juntamente com o governo federal, a concretização de uma das vias expressas contidas no projeto das linhas policrômicas do urbanista grego Constantino Doxiádis elaborado na gestão Carlos Lacerda à frente do antigo estado da Guanabara.
Parte da Linha Vermelha já estava pronta desde os anos 70: o Elevado Paulo de Frontin (construído na primeira gestão Chagas Freitas - 1970-1975) e as Vias Elevadas Professor Engenheiro Rufino de Almeida Pizarro (construídas no governo do almirante Floriano Peixoto Faria Lima (1975-1979).
Porém esses trechos, somados, iam do emboque norte do Túnel Rebouças ao Campo de São Cristóvão. Era necessário esticar a via expressa até a Ilha do Governador, onde se localiza o Aeroporto do Galeão (atual Tom Jobim). E assim foi feito.


Além dos governos no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro Leonel Brizola foi candidato a presidência duas vezes em 1989 e 1994 quando era o candidato mais antissistema inclusive fazendo críticas contundentes a Collor e Lula ( embora fazendo um apoio crítico a Lula no segundo turno ) e oposição firme ao Neoliberalismo.








Leonel Brizola foi muito mais do que um político combativo. Foi um símbolo de resistência, um construtor de sonhos e um elo direto com um projeto nacional que visava um Brasil mais justo, soberano e popular. Sua trajetória está intimamente ligada aos ideais de Getúlio Vargas e João Goulart — dois líderes que colocaram o povo no centro das decisões nacionais.
Brizola foi o único político a governar dois estados — o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro — e deixou marcas profundas em ambos, sobretudo na educação. Como governador, criou milhares de escolas, convencido de que só com conhecimento o povo poderia se libertar das amarras da exclusão e da desigualdade. Essa obsessão pela educação pública, gratuita e de qualidade foi a expressão concreta de seu compromisso com a justiça social.
Herdeiro político e ideológico de Vargas e Jango, Brizola deu continuidade à luta por um Brasil independente, onde os interesses nacionais estivessem acima das imposições externas.
Mesmo em tempos de desilusão e descrença política, Brizola permaneceu como uma referência ética e nacionalista. Criticava os caminhos fáceis e os acordos por conveniência. Era intransigente na defesa do interesse público e na esperança de um Brasil para os brasileiros — um país onde o trabalhador tivesse dignidade, e o Estado fosse instrumento de justiça e não de privilégio.
Seu legado permanece atual. Em um Brasil marcado por desigualdades e ameaças à soberania, o brizolismo oferece uma bússola ética e programática: investir em educação de qualidade, proteger o patrimônio nacional assim garantindo os direito sociais de segurança do trabalho.
Leonel Brizola não pertence apenas ao passado. Ele é uma lembrança viva de que outro Brasil é possível. Um Brasil onde o povo seja protagonista de sua própria história — e não espectador de sua própria exclusão.
Referências e Notas de Rodapé:
[1] Vice-presidente do Brasil Grande -Articulista, tradutor, entusiasta da geopolítica...
[2] Os termos referem-se aos dois governos republicano-positivistas de Júlio de Castilhos, autor a Constituição de 1891 e primeiro presidente do estado do Rio Grande do Sul (1891-1897), e a Borges de Medeiros, que o sucedeu por um longo período (1898-1907 e 1913-1927).
[3] HASSEN, M.N.A. e FERREIRA, L.M., Escola de Engenharia – UFRGS – Um Século, Tomo Editorial, 1996, p. 24
[4] As três vertentes formadoras do PTB gaúcho foram: a sindicalista, a doutrinário-pasqualinista e a pragmático-getulista. Mais detalhes ver BODEA, M., Trabalhismo e Populismo no Rio Grande do Sul, Editora UFRGS, 1992, p. 20-31
BRASIL. Petrobras. Refinaria Alberto Pasqualini (Refap). Disponível em:
BRASIL. Senado Federal. Leonel de Moura Brizola foi o único político eleito pelo povo a
governar dois estados Disponível https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/06/10/leonel-de-moura-brizola-foi-o
unico-politico-eleito-pelo-povo-a-governar-dois-estados Agência Senado.
em:
FOLHA de, São Paulo. Saiba quem foi Leonel Brizola. Disponível em:
GERTZ, René; GOLIN, Nelson Boeira Tau. REPÚBLICA – Da revolução de 1930 à
ditadura militar (1930 – 1985) - Coleção RS Vol. 4 Republica. História Geral do Rio
Grande do Sul. Ed. Méritos. 2007. 580p.
O DIA, Jornal. Os brizolões e o Rio: 35 anos dos Cieps. Disponível em:
o-rio--35-anos-dos-cieps.html
TRINDADE, Hélgio. O brizolismo e seu legado. Disponível em:
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