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Renda Básica Universal: o que é, por que importa e como pode transformar o futuro

Por Filipe Oliveira [1]


A Renda Básica Universal, frequentemente chamada apenas de RBU, é uma proposta de política pública que prevê a transferência periódica de uma quantia para todas as pessoas de uma determinada sociedade, independentemente de sua renda, situação de emprego, idade ou condição social. O conceito se baseia em cinco características principais que a diferenciam de outros programas de assistência: ela é universal, ou seja, destinada a todas as pessoas; é incondicional, pois não exige nenhuma contrapartida como comprovação de pobreza, estudo ou trabalho; é individual, no sentido de que o benefício é pago a cada cidadão e não às famílias ou grupos; é periódica, sendo entregue em intervalos regulares, como mensalmente; e é feita em forma monetária, em dinheiro de curso legal ou, em alguns casos, por meio de moedas sociais aceitas localmente.

A ideia de uma renda paga de forma igualitária a todos os membros de uma sociedade não é recente. Ao longo da história, pensadores de diferentes correntes econômicas e políticas propuseram modelos semelhantes. No final do século XVIII, o inglês Thomas Paine defendeu que os recursos da terra pertenciam originalmente a toda a humanidade, e que os lucros obtidos de sua exploração deveriam ser compartilhados de forma justa por todos. Já no século XX, o economista norte-americano Milton Friedman propôs o chamado imposto de renda negativo, um sistema que forneceria uma renda mínima garantida aos cidadãos com menor renda, funcionando de maneira semelhante, embora não idêntica, à Renda Básica Universal. A consolidação moderna da proposta, no entanto, ocorreu principalmente a partir dos anos 1980, com o trabalho de economistas e filósofos como Philippe Van Parijs e Guy Standing, que ajudaram a popularizar a ideia em fóruns internacionais e instituições acadêmicas.

A Renda Básica Universal difere de outras políticas sociais existentes porque não exige que o beneficiário prove sua necessidade. Em programas tradicionais, como o Bolsa Família no Brasil ou o Food Stamps nos Estados Unidos, é necessário comprovar uma condição de vulnerabilidade para ter acesso ao benefício. Na RBU, esse filtro é removido. Todos os cidadãos recebem o valor preestabelecido, o que, segundo os proponentes da política, facilita a gestão administrativa e elimina o estigma social relacionado ao recebimento de ajuda do governo. A ausência de condicionalidades também elimina o risco de erros de inclusão ou exclusão, comuns em sistemas baseados em cadastros e triagens.

As formas de financiamento da RBU variam conforme o modelo adotado e o contexto econômico de cada país. Em algumas propostas, o valor da renda básica seria custeado por meio da substituição de programas sociais já existentes, realocando recursos de forma mais uniforme. Outras sugestões envolvem o aumento de tributos sobre renda, patrimônio, lucros ou grandes fortunas, além da criação de novos impostos progressivos. Há também modelos que propõem o uso de recursos provenientes de ativos naturais, como petróleo e minérios, ou de fundos públicos compostos por dividendos de empresas estatais. Um exemplo prático desse último tipo de financiamento é encontrado no estado do Alasca, nos Estados Unidos, onde, desde 1982, os lucros obtidos com a exploração do petróleo são depositados em um fundo que distribui, anualmente, dividendos a todos os residentes do estado.

Internacionalmente, vários países já realizaram experimentos com a RBU ou versões próximas dela. A Finlândia conduziu um teste entre 2017 e 2018 com dois mil cidadãos desempregados que passaram a receber mensalmente uma quantia em dinheiro sem exigência de comprovação de procura por trabalho. O objetivo do experimento foi avaliar os efeitos da renda incondicional sobre o bem-estar dos beneficiários e sua disposição para retornar ao mercado de trabalho. No Quênia, a organização GiveDirectly implementou uma transferência contínua de recursos em diversas vilas, com duração de até doze anos. Já na Alemanha, o projeto “Mein Grundeinkommen” arrecada fundos por meio de doações privadas e sorteia valores mensais para centenas de participantes, que relatam os efeitos da medida em suas rotinas. Experiências semelhantes também ocorreram no Canadá, nos Países Baixos e em cidades dos Estados Unidos, como Stockton, na Califórnia.


Considerado um dos principais defensores da Renda Básica no Brasil, o então senador Eduardo Suplicy foi o autor da Lei nº 10.835, sancionada em 2004. A legislação estabelece a criação da Renda Básica de Cidadania, um tema que Suplicy defende há décadas.
Eduardo Suplicy, então senador, foi o autor da Lei nº 10.835, sancionada em 2004, que instituiu a Renda Básica de Cidadania no Brasil. Crédito da foto: Infomoney.

No Brasil, a proposta da Renda Básica de Cidadania foi formalizada em 2004 com a sanção da Lei nº 10.835. Essa lei estabelece que todos os brasileiros residentes no país, bem como estrangeiros que vivam aqui há pelo menos cinco anos, têm direito a uma renda básica garantida por lei, a ser implementada gradualmente conforme as possibilidades orçamentárias do governo. A lei, embora em vigor, ainda não foi plenamente aplicada em nível nacional. No entanto, alguns municípios brasileiros deram início a iniciativas inspiradas nos princípios da RBU. O caso mais conhecido é o de Maricá, no estado do Rio de Janeiro. Desde 2013, a cidade distribui mensalmente a moeda social chamada Mumbuca para parte de sua população, utilizando como fonte de financiamento os royalties do petróleo. A moeda só pode ser gasta no comércio local cadastrado, o que também estimula a economia da própria cidade. Em 2019, o programa foi ampliado, e em 2025, já havia mais de 70 mil pessoas cadastradas como beneficiárias. Niterói, também no Rio de Janeiro, adotou modelo semelhante com a moeda social Arariboia, beneficiando milhares de famílias.

Estudos acadêmicos sobre a viabilidade de uma RBU no Brasil vêm sendo realizados por instituições de pesquisa, universidades e economistas independentes. Os modelos costumam utilizar bases de dados como a PNAD Contínua para simular cenários com diferentes valores de benefício, fontes de receita e efeitos sobre a pobreza e a desigualdade. As conclusões mais frequentes indicam que, dependendo da forma de financiamento escolhida, uma RBU parcial — ou seja, um valor inferior ao necessário para cobrir todas as despesas básicas — poderia ser viável sem comprometer o equilíbrio fiscal. Outra observação comum é a de que a universalidade da medida não significa ausência de redistribuição. Com o uso de impostos progressivos, as camadas mais ricas da população tenderiam a financiar a maior parte da medida, enquanto os mais pobres seriam beneficiados de forma líquida.

Diversas instituições públicas e privadas continuam acompanhando o debate em torno da Renda Básica Universal. A proposta, apesar de ainda estar longe de ser amplamente adotada, tem sido objeto de eventos acadêmicos, congressos internacionais, seminários econômicos e discussões parlamentares em diferentes países. No Brasil, a discussão voltou a ganhar força especialmente após a pandemia da COVID-19, quando o Governo Federal adotou o Auxílio Emergencial, uma transferência temporária de renda que alcançou milhões de brasileiros. A experiência reforçou a percepção pública e institucional sobre o papel da transferência direta de recursos como mecanismo de proteção social em contextos de crise.

Assim, a Renda Básica Universal permanece como uma proposta em análise e desenvolvimento, com diferentes versões sendo testadas e debatidas. A partir do acúmulo de experiências locais e internacionais, o tema continua a ser estudado com atenção, fornecendo dados e evidências que contribuem para a construção de políticas sociais mais abrangentes e eficientes, conforme as necessidades e capacidades de cada sociedade.


Notas de Rodapé:

[1] Graduado em Economia com sólidas experiências nas áreas financeira e contábil, com mais de cinco anos de atuação no mercado, desenvolvendo análises, estratégias e soluções para diferentes segmentos. Atualmente, atuo em um FIDC de investimentos com presença nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, contribuindo para a gestão eficiente de recursos e a maximização de resultados.


Referências bibliográficas:

ALASKA - Alaska Permanent Fund Corporation. (2023). Annual report 2023. BRASIL. Programa Renda Básica de Cidadania – Mumbuca. Prefeitura Municipal de Maricá. (2023).


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FRIEDMAN, M. Capitalism and Freedom. University of Chicago Press. (1962). HAUSHOFER, J., & SHAPIRO, JThe Short-term Impact of Unconditional Cash Transfers to the Poor: Experimental Evidence from Kenya. Quarterly Journal of Economics, 131(4), 1973–2042. . (2016).


KANGAS, O., JAUHIAINEN, S., SIMANAINEN, M., & YLIKÄNNÖ, M. The Basic Income Experiment 2017–2018 in Finland. Reports and Memorandums of the Ministry of Social Affairs and Health. (2019).


MELO, E., & SOARES, F. Renda Básica no Brasil: Avaliação de Cenários e Viabilidade Fiscal. IPEA. (2016). PAINE, T. Agrarian Justice. London. (1797).


STANDING, G. (2017). Basic Income: And How We Can Make It Happen. Penguin.


VAN Parijs, P., & VANDERBORGHT, Y. (2017). Basic Income: A Radical Proposal for a Free Society and a Sane Economy. Harvard University Press.


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