A ciência no Brasil
- Renzo Souza

- 2 de fev.
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Atualizado: 2 de fev.
Preliminarmente, o que sabemos sobre ciência? Para o estudioso da história da ciência como o australiano Alan F. Chalmers em sua obra: O que é ciência a final?. É dito por ele que "conhecimento científico é conhecimento provado." Para ele, as teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa por obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento, nesse caso a ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar... Para ele, a ciência é objetiva, no sentido de que o conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente. Por outro lado, o historiador russo da ciência Alexandre Koyré em: Estudos de História do Pensamento Científico, alega que a história do saber empírico de fato, a partir dos autores renacentistas como Galilei, Kepler e Copérnico, tem seu ápice no sistema de Newton; dai que o desenvolvimento e a interpretação filosófica do newtonianismo, até Kant e por Kant. A síntese de Maxwell e a história da teoria do campo. As origens e os fundamentos filosóficos do cálculo de probabilidades, a noção de infinito e os problemas dos fundamentos das matemáticas, todos esses campos trazidos a partir daquele momento pode ser classificado como sendo as raízes filosóficas da ciência moderna e as interpretações recentes do conhecimento científico tais como: positivismo, neokantismo, formalismo, neorrealismo, platonismo, enfim.
Para Thomas S. Kuhn em: A Estrutura das Revoluções Científicas, a ciência pode ser encarada de duas formas. A ciência normal que ele considera como instrumental e os paradigmas. Segundo Kuhn não há progresso por acumulo gradual de conhecimentos e/ou experimentos, mas por disrupturas com a quebra dos paradigmas como: teorias e modelos científicos. Para Raimundo Farias Britto grande filósofo Brasileiro, a gênese do conhecimento científico tem a tendência ao "sensualismo", o conhecimento deriva da sensibilidade, diz-se em a base física do espírito. Para ele a sensibilidade só pode ser impressionada por fatos particulares; por conseguinte não pode haver conhecimento senão do particular. Daí derivam regras especiais e uma técnica própria quanto ao método, para o saudoso professor Alvaro Vieira Pinto, a ciência não fica só em metodologia. Por exemplo na sua obra: Ciência e existência, ele diz que para o país que precisa libertar-se política, econômica e culturalmente das peias do atraso e da servidão, a apropriação da ciência, a possibilidade de fazê-la não apenas por si mas para si, é condição vital para a superação da etapa da cultura reflexa, vegetativa, emprestada, imitativa, e a entrada em nova fase histórica que se caracterizará exatamente pela capacidade adquirida pelo homem, de tirar das idéias de que necessita para se compreender a si próprio, tal como é para explorar o mundo que lhe pertence em benefício fundamentalmente de si mesmo e da comunidade em que vive, da NAÇÃO.
Para o matematico e lógico professor Newton da Costa, a ciência ou teoria da ciência, no sentido em que empregamos essas expressões englobam três categorias de questões: epistemológicas (análise crítica da ciência), lógicas (estrutura lógico-formal da ciência) e metodológicas (metodologia científica), sem o qual a existência da própria ciência seria improvável. Para da Costa, o núcleo da teoria da ciência é o de verdade. Em todas as áreas das ciências procura-se algum tipo de verdade. No entanto, desde que há diversas concepções de verdade como na lógica (verdade como correspondência, verdade pragmática e verdade como coerência), as construções sintático-semânticas no qual a nossa linguagem através de sentenças e conectivos é que chegamos a tal verdade. Torna-se preciso ponderarmos de modo cuidadoso qual a concepção que se encontra, licitamente nos alicerces das variegadas2 ciências. Pois é dai que, então, da noção de verdade pode-se definir, com o auxílio de outros conceitos complementares a idéia de "conhecimento científico."
Como nos explica o professor Milton Vargas, no Brasil a Matemática, a Física, a Química, sem terem calamidades públicas a debelar, ficaram reduzidas a cursos nas escolas profissionais superiores como na Academia Real Militar, de 1810, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em que se transformou em 1874, nas chamadas Escola de Minas de Ouro Preto, de 1875, e na Escola Politécnica de São Paulo, fundada em 1896. Mas, foi durante os quinze anos de Estado Novo de Vargas que isso tudo foi impulsionado. O desenvolvimento econômico através de uma intervenção crescente do governo e a responsabilidade de implantar a indústria de consumo e, a si, Vargas se impusera a tarefa de implantar, sendo:
1) setores que exigiam investimentos importantes, como a Usina Siderúrgica de Volta Redonda.
2) setores cuja rentabilidade não era certa ou cujo aparecimento demandava um período longo de investimentos, como P&D3 com a pesquisa e exploração do petróleo, descoberto em 1938, sendo criado um Conselho Nacional do Petróleo, várias refinarias e por último a Petrobrás nos anos 50.
3) os setores que exigiam um grande investimento em infraestrutura, para tal foram criados o Departamento Nacional de Estrada de Rodagem, o Departamento Nacional de Trabalhos Contra a Seca; foi nacionalizada a Companhia de Navegação Costeira e tiveram início os trabalhos para a implantação de hidrelétricas e também Furnas e Siderúrgicas. Sem contar a criação dos Conselhos Nacionais como do Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool, os Institutos do Cacau, do Pinho, do Mate e do Sal. Além de dar garantias de crédito e preços mínimos aos produtores. Em 1934, o governo havia regulamentado a exploração dos nossos recursos minerais, através do Código de Minas e do Código de Águas.
Mas, voltando ao Milton Vargas, nessa época criou-se o Ministério da Saúde e Educação, elaborou um Regimento das Universidades Brasileiras, e a primeira universidade brasileira, realmente efetiva e duradoura, foi a de São Paulo, criada pelo liberal Armando de Salles Oliveira, governador em 1934. Era centrada numa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, para cuja organização foram designados o carioca e grande matematico Theodoro Ramos e Paulo Duarte, com a incumbência de contratar professores do exterior e trazê-los para cá. Foi nesse momento por exemplo que a Matemática brasileira atingiu um espetacular desenvolvimento. Um curso moderno rigoroso foi realizado por Lélio Gama, na Escola de Ciências, da Universidade do Distrito Federal, entre 1935 e 1938.. Lélio Gama foi o autor da excelente: Introdução à teoria dos conjuntos, publicada entre 1941. Em 1945, criou-se um Núcleo Técnico Científico de Matemática na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, o qual iniciou a edição da Summa Brasiliensis Mathematicae. Em 1946, essa summa passou a ser editada, sob a direção de Lélio Gama, pelo Instituto Brasileiro de Ciência e Cultura. Também em 1945 foi fundada a Sociedade Matemática de São Paulo, e em 1948 Antonio Monteiro iniciou a publicação de Notas de Matemática.
Contudo, o foco desse texto é a Física. Foi a partir da criação das universidades no Rio e São Paulo que ela começa a ganhar projeção. Para isso a atuação do grande Gleb Wataghin nesse desenvolvimento foi decisiva, não só por seus cursos na USB como também pelo estímulo dado à pesquisa física em São Paulo e no Rio de Janeiro. A partir de 1934 essas pesquisas ocorriam num laboratório instalado provisoriamente nas dependências da Escola Politécnica para a pesquisa da radiação cósmica. A parte teórica era feita por nada mais nada menos que um dos maiores físicos do país, Mário Schenberg e Abrão de Morais, e a parte experimental por Marcelo Damy de Souza Santos e Paulus Aulus Pompéia, todos sob a orientação de Wataghin e com a assistência do físico italiano Giuseppe Occhialini.
No Rio de Janeiro, entre 1934 e 1937, houve um surto de pesquisa em Física dos Materiais, no Instituto Nacional de Tecnologia, com as investigações de Bernardo Gross, Joaquim Costa Ribeiro e Plínio Sussekind Rocha. No ano de 1939, foi criada a cadeira de Física, ministrada pelo italiano Luigi Sobrero, na recém criada Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro. Foi nessa época que o notável professor de Física, pernambucano Luis Freire recomendou ao seu discípulo José Leite Lopes que fosse estudar no Rio de Janeiro, lá ele construiu sua carreira brilhante, nomeado em 1942 a assistente de Física dessa Faculdade e em 1943 fez um estágio em São Paulo. Leite Lopes, em 1948, fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no campus da Praia Vermelha da Universidade do Brasil.
Para resumir, as décadas de 1940 e 1950 foram as do florescimento da Física no Rio de Janeiro não só pelo trabalho dos brasileiros, como também pelo dos estrangeiros que lá estiveram. Em 1950, físico nacional, Marcelo Damy instalou o primeiro acelerador de partículas do Brasil, um "bétatron de 22 Mev. ". Em 1954, outro importante físico nacional Oscar Sala instalou um acelerador eletrostático Van de Graaf de 3,5 Mev. Com isso entramos de vez, através do Laboratório de Física da USP no mundo da física nuclear. Sem contar que veio trabalhar também, em São Paulo, o notável físico David Bohm, que desenvolveu estudos sobre os fundamentos da mecânica quântica no Brasil.
Ainda em 1951 criava-se, em São Paulo, o Instituto de Física Teórica, fundação chefiada pelos irmãos Paulo e Jorge Leal Ferreira. Essa fundação contou com a colaboração de vários físicos estrangeiros, dentre os quais estavam o japonês Mitsuo Taketani e o grande físico e filósofo da ciência Carl F. Weizsäcker, que esteve aqui em 1952. Portanto, assim formou-se uma comunidade de físicos brasileiros concentrada, até a década de 1950, no Rio e em São Paulo, porém é que a partir de então se espalhou por todo o país. Foi dai a raiz dos grupos de pesquisa em Minas Gerais; em São Carlos, no ITA de São José dos Campos, na PUC do Rio de Janeiro na Unicamp, em Campinas e na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife. Depois desse apanhado histórico, passamos a entender brevemente a importância dos estudos de figuras como Cezar Lattes, José Lopes e Mário Schenberg.
Por exemplo, em astrofísica de partículas, Mário foi um dos teóricos ao lado de George Gamow o "processo Urca", que para os mais leigos, podemos comprender como uma reação que emite um neutrino e que supostamente faz parte do processo de resfriamento de estrelas de nêutrons e anãs brancas. O processo foi pela primeira vez discutido enquanto ambos visitavam o cassino da Urca, no Rio de Janeiro. Entretanto, para o leitor entender, sabemos que a física nuclear é dividida em três aspectos. Enquanto ente atômico, nuclear e de partículas. Cada qual ligada ao seu campo e sua constituinte, além claro da sua força. No caso dos cientistas brasileiros como Lattes e José Lopes, seus trabalhos estavam relacionados a física de partículas, e visavam comprender a eletrodinâmica quântica, a partir da estrutura dos Qarks e dos Leptons, para avanços ainda mais significativos como o estudo das partículas Bariones, Mesons, além dos avanços no estudo sobre os bósons Z e W. Ao brilhantismo de ambos, seguiram-se investigações sobre o estado sólido, estrutura molecular, propriedades da matéria condensada e outros campos próximos da pesquisa tecnológica que foram desenvolvidos em nossas universidades.
Os avanços da Física Atômica se deram exatamente quando estávamos caminhando com o desenvolvimento da Física no Brasil. Foram figuras como Rutherford, James Chadwick, esse último descobriu o nêutron e foi aí que a ideia realmente avançou. O fato de o próprio Rutherford ter previsto a existência do nêutron já em 1920 é outro exemplo da genialidade e brilhantismo que caracterizaram esse cientista de estatura incomparável. Entender que toda a natureza da matéria, formada por átomos que têm em seu centro núcleos atômicos, compostos de prótons e nêutrons, em torno dos quais os elétrons estão dispostos aleatoriamente foi algo revolucionário.
O nosso núcleo de estudos estava bastante avançado, algo impressionante para um país em crescimento na época como o Brasil. Por exemplo, Lattes e Lopes estavam trabalhando juntos proporcionados nos avanços em 1934, do físico Italiano Fermi e sua equipe. Em testes, eles descobriram que quando se disparava nêutrons em núcleos de urânio, núcleos de novos elementos químicos mais pesados que o urânio eram formados, a famosa fusão nuclear. Depois de meados da década de 1930, Fermi e seu grupo começaram a bombardear núcleos atômicos com nêutrons; Isso levará tanto à descoberta da fissão nuclear quanto ao estudo sistemático das reações nucleares.
Foi justamente a partir de reações nucleares e do estudo dos raios cósmicos que novas partículas nucleares foram descobertas. Foram identificadas partículas que tinham uma massa "intermediária" (entre a massa "pequena" do elétron e a massa "grande" do próton) e receberam o nome genérico de méson, exatamente a especialidade de Cezar Lattes. Todas as análises posteriores de experimentos com raios cósmicos levaram à definição de dois tipos de mésons:
1) Os píons (indicados pelos símbolos) são responsáveis pelo potencial de Yukawa e intervêm no regime de interação nuclear forte.
2) Por outro lado, os múons indicados por não interagir com núcleos atômicos.
Portanto, todas essas partículas (com suas antipartículas relativas) são bósons e as seguintes leis de decaimento foram descobertas: O trabalho genial de Lattes foi ser codescobridor do méson-π (méson pi ou píon), descoberta que levou à concessão do Prêmio Nobel de Física de 1950 a Cecil Frank Powell, líder da pesquisa. 1 Licenciado em História pela UCSAL 2 Que apresenta cores ou tonalidades variadas; matizado, versicolor, que ostenta diversidade; diversificado, variado, diferente.
3 Pesquisa e Desenvolvimento Bibliografia
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