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O que o piloto russo Sergei Bogdan pode ensinar ao Brasil, por J. Perim

Enquanto o mundo discute se drones e IA substituirão o homem, ele lembra que a tecnologia é apenas uma extensão do corpo humano.


por Juliana Perim


Ele já passou mais de duas mil horas de voo em aeronaves experimentais, testou os caças mais avançados da Rússia — como o Su-35 e o Su-57, joias da engenharia militar — e sobreviveu a situações em que um erro de cálculo significaria o fim. Algumas de suas manobras acrobáticas são tão extraordinárias que chegaram às telas em Top Gun: Maverick. Mas, para ele, o objetivo não é o show — é revelar a potência e o limite real da máquina que pilota.

Seu nome é Sergei Bogdan, piloto de testes, herói nacional russo e símbolo de uma geração de profissionais que se recusam a delegar à máquina o protagonismo da inteligência humana.

Bogdan é o homem que pilota o risco com calma e método.

Enquanto o mundo discute se drones e inteligência artificial substituirão o homem, ele lembra que a tecnologia é apenas uma extensão do corpo humano — e que o verdadeiro voo começa dentro da mente.

O que um personagem assim pode ensinar ao Brasil, um país ainda à procura de rumo, produtividade e propósito? Mais do que uma lição técnica, sua história oferece um espelho de conduta, vocação, cooperação e humildade.


O risco como ética, não bravata

“Você só pode tornar um avião seguro se for além do limite das suas características.”

A frase, típica de quem vive entre coragem e ciência, revela o núcleo de sua filosofia: o risco é parte da aprendizagem, não inimigo dela.

Bogdan representa uma mentalidade em que o erro é estudado, não negado — e o progresso nasce da paciência, não da pressa.

No Brasil, porém, a cultura do improviso ainda se confunde com criatividade.

Temos genialidade natural, mas pouco respeito pelo método e pelos limites.

O resultado é um país que tenta decolar sem revisar os motores.


Vocação: o motor invisível da produtividade

“O voo é um diálogo silencioso entre o homem e a máquina.”

Bogdan fala do trabalho como quem descreve uma forma de oração.

Essa dimensão vocacional — o sentimento de estar no lugar certo, fazendo o que nasceu para fazer — é o que falta à base produtiva brasileira.

Aqui, a perda não é apenas humana — é econômica.

Estudos apontam que grande parte da baixa produtividade nacional decorre de mau direcionamento de talentos, ausência de qualificação coerente e desmotivação profissional.

Milhões de brasileiros vivem em empregos desalinhados às suas aptidões, o que resulta em ineficiência estrutural e prejuízo bilionário em potencial produtivo desperdiçado.

Outro fator relevante é a falta de humildade cultural. Muitos valorizam a aparência sobre o resultado, promovendo-se ou criando narrativas infladas em vez de reconhecer limitações e aprender com os outros. Esse comportamento, amplificado pela mídia e propaganda pessoal, reduz a capacidade de colaborar, seguir métodos rigorosos e desenvolver inteligência coletiva.

A vocação, longe de ser romantismo, é capital econômico de alta precisão.

E cabe ao Estado compreender isso.

Sem políticas que incentivem formação técnica, orientação vocacional e integração entre educação e mercado, o país continuará desperdiçando seu maior ativo: o talento humano como motor de riqueza.


A liderança que falta

Quando um motor falha em pleno voo, Bogdan diz:

“Você não pensa em pânico — pensa em soluções.”

Essa serenidade operante é o que falta à gestão pública brasileira.

O Estado precisa agir como um piloto de testes: diagnosticar, corrigir e ajustar, em vez de reagir por instinto a cada turbulência política.

Mas a crise de liderança não é apenas dos gestores.

É também da sociedade que os forma. O Brasil vive um déficit cognitivo profundo, resultado de décadas de educação precária e de uma mídia que simplifica o complexo.

A consequência é uma população pouco preparada para exigir coerência e planejamento, e uma elite política que governa sem base crítica para sustentá-la.

Além disso, a tendência cultural de autopromoção e exagero de conquistas reforça o pensamento de curto prazo e enfraquece a resolução coletiva de problemas.

Em outras palavras, não há liderança forte sem cidadãos capazes de aprender, cooperar e criticar de forma construtiva.


A força invisível do trabalho em equipe

Por trás de cada voo de Sergei Bogdan há centenas de profissionais: engenheiros, técnicos, controladores de solo, meteorologistas.

Nenhum herói de cockpit existe sem uma rede silenciosa e precisa.

E é justamente esse senso de interdependência que o Brasil ainda precisa aprender.

Nossa cultura, marcada pela improvisação criativa e pelo individualismo, peca pela fragilidade cooperativa.

Cada setor trabalha isolado; cada profissional tenta se afirmar sozinho, e a “máquina social” — que deveria funcionar como um avião bem calibrado — perde eficiência.

Bogdan é o oposto do individualismo que fragmenta o país: ele confia, delega e reconhece os outros.

Sabe que o sucesso do voo não é mérito pessoal, mas resultado da harmonia coletiva.

É uma lição simples, mas urgente: nenhum país decola sozinho.


O humano diante da máquina

“Os drones são o caminho natural da evolução. Mas, onde há necessidade de decisão intelectual, o ser humano ainda é insubstituível.”

Bogdan não teme a automação — ele a compreende.

E é justamente por compreender que defende a centralidade do humano nas decisões críticas.

O Brasil, ainda pouco preparado para a revolução da IA, precisa dessa visão equilibrada: tecnologia como aliada, não como substituta.

Sem um Estado que planeje a transição tecnológica com sensibilidade social, a automação pode aprofundar desigualdades e gerar uma geração de excluídos digitais.

O país precisa, mais do que máquinas inteligentes, de políticas inteligentes.


A serenidade como força nacional

Bogdan é um homem de silêncio e método.

Enquanto o mundo grita por velocidade, ele personifica a pausa necessária para não errar.

Sua frieza diante do risco não é insensibilidade — é foco.

O Brasil, ansioso, disperso e culturalmente inclinado a supervalorizar a própria imagem, poderia aprender com isso.

Em vez de correr atrás de soluções imediatas ou da autopromoção, precisamos de paciência estratégica: formar pessoas, fortalecer instituições e valorizar a estabilidade emocional como parte do desempenho profissional.


Conclusão

Sergei Bogdan é, para a Rússia, o que o Brasil ainda busca ser para si mesmo: um país que respeita a técnica, valoriza a vocação e entende que progresso exige disciplina, humildade, ética e cooperação.

Sua história não é sobre aviões, mas sobre liderança, preparo e propósito coletivo.

O Estado brasileiro, se quiser conduzir o país rumo ao futuro, deve assumir o manche — e tratar o talento nacional como faz um piloto de testes com seu avião: com cuidado, precisão e confiança.

O Brasil não precisa apenas de novas tecnologias; precisa de nova mentalidade de comando, educação, humildade e trabalho em equipe.

Porque o voo do futuro, como ensina Sergei Bogdan, ainda depende de quem segura o controle — e de quem sabe que, para chegar mais alto, ninguém decola sozinho. 

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