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Alexandre Gusmão – O primeiro estadista do Brasil

Renzo Souza Santos1


Numa época onde a grande prioridade das relações internacionais lusas foi sempre, no reinado do então D. João V, o Brasil, a defesa das suas rotas e a definição e protecção das suas fronteiras. Para se ter noção, desde 1736 (vice-reinado do primeiro conde de Sandomil) a presença portuguesa por exemplo nas outras regiões do seu Império colonial como na Índia entrara numa fase de irreversível declínio, particularmente com a guerra com os Maratas e a perda das províncias do Norte entre 1737-1740, apenas em parte estancado pelas novas conquistas do final do reinado de D. João V.

O Brasil, nessa época, registava um momento de grande prosperidade económica e de apreciável crescimento demográfico, Portugal dessa forma se ancorava em larga medida no Brasil na tentativa de equilíbrio financeiro. Como afirmava o velho duque de Cadaval em 1715, "do Brasil depende hoje absolutamente muita parte da conservação de Portugal" afirmação tanto mais pertinente quanto em 1710-1711 os franceses tinham atacado o Rio de Janeiro… A importância da América portuguesa nos anos subsequentes não mais deixaria de crescer a todos os níveis. O contraste entre a celebração encomiástica dos feitos, remotos e recentes, na Índia, e a valorização prática do Brasil constituiu uma marca muito característica do tempo de D. João V.

Por outro lado, era preciso buscar equilíbrio também no cenário internacional. As relações com a Espanha por exemplo foram, de resto, sempre condicionadas por essa dimensão. Desde pelo menos 1680, quando foi formalmente fundada a Colónia do Sacramento no estuário do rio da Prata, no extremo sul da América portuguesa e encravada em território espanhol, esta tornou-se um foco de permanentes tensões com a Espanha. A região do rio da Prata constituía uma zona de fronteira entre os dois impérios, na qual se entrecruzavam movimentações militares, uma intensa atividade mercantil. Atividades de contrabando, constituindo a principal via de entrada da prata espanhola no Império Português, e ainda, nas cercanias do lado esquerdo do curso médio do rio Uruguai, os aldeamentos índios controlados pela Companhia de Jesus.

Nesse interim, estava nosso estadista, nascido na Vila do Porto de Santos em 1695, oitavo filho dos doze de um português da região de Guimarães, cirurgião da unidade militar local, e de uma paulista com sangue indígena e provavelmente judeu. Ainda Menino, Alexandre Gusmão foi à Bahia para estudar no colégio criado pelo seu padrinho, um conhecido educador jesuítico de quem tomou o nome e o sobrenome. Já aos 13 anos foi para Portugal, na companhia do irmão mais velho, Bartolomeu, o notório "padre”. Ao chegar nos 35 anos, foi feito "secretário del-rei", como se chamava o cargo. D. João V, o mais absolutista dos monarcas luses. Gusmão representava bem a sociedade do tempo e do lugar: enriquecida, mas atrasada em relação aos países que passavam pelas ondas de racionalismo e maquinismo que desembocariam na Revolução Francesa e na Revolução Industrial. Ao lado do inquisidor-mor D. Nuno da Cunha, frei Gaspar da Encarnação ou o simples secretário particular Alexandre Gusmão, podiam assistir o monarca nas suas decisões. Gusmão, por ser o mais competente do círculo íntimo era encarregado dos dois principais temas do reino: a Igreja e o Brasil. Participava também das relações com as potências europeias e, por ser membro do Conselho Ultramarino, da administração do Império. A metrópole vivia das rendas do Brasil, e o grande problema era que este não tinha fronteiras, depois que os luso-brasileiros ultrapassaram fartamente a divisa de Tordesilhas nas novas minas do Mato Grosso, nas missões do Amazonas e no rio da Prata, onde Colônia era o punctum dolens das relações entre as nações ibéricas.

Com a morte de Filipe V em 1746 e a subida ao trono de Fernando VI, casado com D. Maria Bárbara de Bragança, filha de D. João V, suscitou uma viragem na política espanhola, claramente encaminhada para a pacificação das relações externas, em geral, e para uma aproximação a Portugal, em especial. Foi justamente nesse cenário que tornou possível o início da preparação do Tratado de Madrid, o qual, substituindo o remoto acordo de Tordesilhas, pretendeu fixar os limites territoriais do Brasil e da América espanhola, em particular, nas duas zonas onde estes eram mais indefinidos: a do rio Amazonas e a do rio da Prata.

A genialidade de Alexandre Gusmão pelo lado português tinha como acordo uma inspiração fundamental. Para Gusmão o novo tratado deveria se basear na noção de cada parte "com o que atualmente possui". O que isso significava? significava que Portugal ficaria com a maior parte da bacia amazónica e a Espanha com a platina. Havia, porém, uma importante excepção a estes princípios gerais. Para além de alguns espaços na floresta amazónica, Portugal cedia no Sul a Colónia do Sacramento, mas, em compensação, recebia o território da chamada Região dos Sete Povos dos índios do Uruguai, dirigidos pelos jesuítas espanhóis.

Nessa época, os portugueses procuraram com afinco metais e pedras preciosas; sem grande sucesso. Encontraram algum ouro de lavagem em vários lugares, como Paranaguá, por exemplo, no atual estado do Paraná, e até perto dos núcleos habitados, como no sopé do monte Jaraguá, encostado na cidade de São Paulo. Mais ao sul da colônia, tendo a vila de São Paulo como foco irradiador, surgiu um movimento de penetração territorial que, segundo Euclides da Cunha, é o único aspecto original de nossa história, estamos falando dos bandeirante. Esses homens que, das vilas de São Paulo, Parnaíba, Itu, todas no vale do Tietê adentravam os sertões para capturar índios, que seriam utilizados como escravos em suas roças ou vendidos a outras regiões. Foram os bandeirantes que, na sua caça aos cativo, acabaram revelando, um pouco antes de 1700 e nas décadas seguintes, os três el-dorados do Brasil colonial, as minas de Cataguases, de Cuiabá e de Goiás, ou as "minas gerais", conectando todo o leste de São Paulo, a partir de Taubaté e de Guaratinguetá, no vale do Paraíba..

Por fim, Alexandre de Gusmão pelo menos desde 1736, conduzia as negociações do tratado, iniciadas em 1746, acabou concluindo que o critério fundamental só poderia ser o da legalização da área ocupada uti possidetis de evitar as incertezas sobre onde passaria a linha na época era imprecisa a marcação das longitudes e, trouxe o argumento adicional de que as fronteiras deveriam ser rios e montanhas conhecidas "fronteiras naturais".

Historicamente quando finalmente os negociadores hispânicos aceitaram a troca, nos derradeiros dias da negociação, ficou assegurado que o Brasil na sua parte crítica, o Sul, teria fronteiras bem mais amplas, o que havia antes era uma estreita faixa de terra, de umas 10 léguas de largura, de Paranaguá à lagoa dos Patos. Logo veio a assinatura do Tratado de Madri, o que aconteceu em 13 de janeiro de 1750.

Para o escritor português Jaime Cortesão, desde o início de seus estudos brasileiros, falava de um vago conceito unificador, que teria estimulado a penetração dos bandeirantes além da linha demarcadora, a procura dos rios que seriam a fronteira natural da colônia: o mito da ilha Brasil. Segundo ele, Alexandre de Gusmão, ao conseguir negociar o tratado que deu ao futuro país fronteiras interiores praticamente navegáveis, seria o estadista que transformou o mito em realidade. A situação "ilhada do Brasil" ficava, aliás, evidente na carta geográfica que preparou para as negociações, depois chamada "Mapa das Cortes", a primeira que apresenta o país com a forma triangular e maciça. Cortesão estuda particularmente a "bandeira dos limites" de Raposo Tavares. Para Olivera Lima, no começo dos novecentos, já o tinha como "o maior brasileiro do século XVIII". Nesses mesmos anos, ele havia sido entronizado numa galeria de vultos da política externa, no Itamaraty do Rio de Janeiro. Nas décadas seguintes, passou a ser protagonista nas melhores histórias diplomáticas, desde as obras de Pandiá Calógeras passando por José Carlos de Macedo Soares, o historiador Hélio Viana e o diplomata Delgado de Carvalho, todos o considerando como um grandíssimo estadista.


1 Licenciado em História pela UCSAL


Bibliografia:

GOES FILHO, Synesio Sampaio. Alexandre de Gusmão (1695-1753): O estadista que desenhou o mapa do Brasil. Ed. Record. Pág. 224. 2021.

RAMOS, Rui, e VASCONCELOS, Bernardo. A história de Portugal. 2009.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. D. Joao V – Reis de Portugal. Universidade de Wisconsin – Madison. Ed. Temas e Debates. Pág. 368. 2009.

TAUNAY, Afonso d'Escragnolle. História das bandeiras paulistas (v.1). Ed. Melhoramentos. Pág. 378. 1953.

 
 
 

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