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Amazônia, Havaí e a hipocrisia ambiental americana

Atualizado: 26 de ago. de 2023

Desde o governo do democrata Joe Biden, os EUA têm buscado se apresentar como embaixadores, propagandistas e mesmo fiscais da causa ambiental em nível global, ainda que não tenham sido chamados para fazer esse papel (afinal de contas, precisa?). Tanto o próprio presidente como importantes membros do governo americano têm, reiteradas vezes, reforçado, tanto no discurso como em certas ações, sua preocupação com o meio ambiente, sobretudo na questão climática.

Entre esses membros, está John Kerry, ex-secretário de Estado no governo Obama que, junto com Hillary Clinton, sua antecessora, esteve envolvido nas desastrosas intervenções do Estado americano em prol da famigerada “Primavera Árabe”, cujos efeitos estão surtindo até os dias atuais – como as guerras civis em curso na Síria e na Líbia e as consequentes crises de refugiados na Europa. Agora, após um banho tomado e uns perfumes, ele é o enviado presidencial especial para o clima, cargo criado na gestão Biden.

Mas não irei falar – não exatamente – dele, muito embora seja uma das peças dessa engrenagem. Retomando o fio da meada, um dos temas discutidos nessa “nova” pauta climático-ambiental dos EUA tem sido a Amazônia. A maior floresta de clima tropical do planeta – e uma das maiores florestas ainda preservadas do mundo é um dos centros das discussões em torno dessa pauta, uma vez que é vista não só como o “pulmão” mas também como um dos principais reguladores do clima global. Quando Biden ainda era candidato, em 2020, ele prometeu uma ajuda de US$ 20 bilhões para o Brasil “não queimar mais” a floresta, e ameaçou com consequências econômicas se isso não fosse feito – promessa essa que irritou Jair Bolsonaro, então presidente da República.

Em 2021, já no início do governo Biden nos EUA, John Kerry (lembra?), em um tom mais brando, defendeu a necessidade de se negociar acordos climáticos com Bolsonaro, alegando que a Amazônia iria “desaparecer” caso isso não fosse feito. A despeito disso, as negociações sobre o tema só começaram a avançar mesmo no governo Lula, sendo um dos movimentos de aceno nesse sentido um aporte de R$ 2,5 bilhões para o Fundo Amazônia (cabe reiterar, estamos falando de bilhões de reais, não de dólares), dez vezes maior (!) que o inicialmente previsto para o fundo destinado a ações de combate ao desmatamento na região.

Cabe ressaltar a dissonância entre a importância dada à Amazônia do ponto de vista americano – embora não se resuma aos americanos os interesses (alguns deles escusos) na região – e os valores anunciados para ações que visem manter a floresta em pé, ainda que às custas do desenvolvimento e de uma presença razoável do Estado brasileiro em nível local, que são verdadeiro troco de bala (ou de pinga). Mas não é este o ponto principal deste artigo, muito embora tenha a sua devida importância e mereça ser discutido em um momento oportuno, mas sim a igual dissonância entre a retórica ambiental de Biden e sua prática em solo americano.

Enquanto seu governo discursa em prol de combater o aquecimento global e a “emergência climática” em curso – não que não seja uma causa válida, como ponderei na defesa de uma agenda climática nacional –, fazendo da Amazônia um dos “bodes expiatórios” da questão, em nível interno mostra que, na prática, a teoria é outra: em março, Biden aprovou um projeto de exploração de petróleo no Alasca, não obstante o estado mais gelado dos EUA ser um dos locais que serão mais atingidos pelas mudanças climáticas. E, neste mês de agosto, o estado do Havaí, mais precisamente a ilha de Maui, passou por uma série de incêndios florestais que, em mortalidade, são os piores em solo americano em mais de 100 anos.

Para se ter as dimensões da tragédia: mais de uma centena de mortos – 110 no momento em que escrevo, pra ser exato – sem falar que ainda há muitas pessoas desaparecidas, o que pode fazer esse número subir ainda mais, além de muitos feridos, mais de duas mil residências destruídas – a maioria em Lahaina, o vilarejo mais castigado pelas chamas. Os prejuízos, por sua vez, se aproximam dos US$ 6 bilhões. E tanto a ausência de alertas das autoridades locais sobre o fogo como a errática resposta federal acenderam a indignação dos moradores. Neste último ponto, a ajuda financeira prometida a cada família atingida, um pagamento único de US$ 700, tem sido classificada como “insultante”, sobretudo se comparada aos vultuosos valores de ajuda militar e humanitária concedidos à Ucrânia.

Em suma, chega a ser irônico – para dizer o mínimo – que um país que não é capaz de, preventiva ou corretivamente, lidar com um incêndio florestal numa ilha cujo território é um terço de Brasília nem mesmo prover uma ajuda decente às famílias que foram atingidas pela tragédia, querer dar lições de moral em um país que, apesar dos pesares, consegue manter 3/5 de sua cobertura florestal em pé, algo que os EUA sequer chega perto. E o mais irônico ainda: há quem compre essa hipocrisia por aqui.

 
 
 

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