O que é "Cultura Woke"
- Renzo Souza

- 2 de dez de 2024
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Renzo Souza Santos1 Antônio Gramsci define a “Cultura” em primeiro lugar “como expressão da sociedade”, a concepção gramsciana de cultura é inseparável da concepção da linguagem. Aqui pulsa o que se poderia chamar de acepção forte de cultura, tomada como “concepção do mundo”, obviamente que essa cultura está entrelaçada com a ideologia tem, portanto, uma base ou uma “estrutura material”, o que inibe a possibilidade de uma sua concepção idealista pela qual as ideias se afirmariam somente por sua própria força intrínseca.
Isso é algo bastante interessante, como afirma o historiador americano Touré Reed em sua obra "Toward Freedom: the case against race reductionism" uma das pautas da agenda woke que é a questão racial ele alega que as corporações acreditam que a contratação de funcionários negros lhes permitirá penetrar nesse nicho de mercado. A apropriação dessas pautas segundo ele, se deu por um relatório de 2021 da McKinsey sobre a indústria cinematográfica que declarou que, «ao abordar as persistentes desigualdades raciais, a indústria poderia colher mais US$ 10 bilhões em receitas anuais, cerca de 7% a mais do que a linha de base avaliada de US$ 148 bilhões.
Isso pode ser identificado como um "aburguesamento", algo discutido por economistas e sociólogos, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, sobretudo sob a influência do importante estudo The Affluent Worker, Gold-thorpe, Lockwood, Bechhofer e Platt na década de 1970. Por exemplo, Goldthorpe e seus companheiros resolveram pôr à prova a alegação de que, à medida que os padrões de vida de muitos trabalhadores manuais melhoravam, estes iam adotando cada vez mais hábitos e estilos de vida de classe média, o que também fazem suscetíveis as agendas da grande mídia, TVs, grandes companhias, rede social e por aí vai, um verdadeiro espiral do silêncio.
Mas, você sabe o que é wokismo? Ao que se sabe, o termo não é novo, "woke" ou os " woke" não era um movimento em nenhum sentido tradicional. Segundo a professora Susan Neiman em seu livro - A esquerda é não é woke, o primeiro uso registrado da frase stay woke foi na música - Scottsboro Boys, de 1938, do grande bluesman Lead Belly, dedicada a nove adolescentes negros cuja execução por estupros que nunca cometeram só pôde ser impedida por anos de protestos internacionais liderados, o que às vezes é esquecido pelo Partido Comunista, enquanto a National Association for the Advancement of Colored People – NAACP2 - de W . E. B. Dubois inicialmente relutou em se envolver.
Um aspecto importantíssimo da agenda woke é a sua principal ferramenta metodológica, surgida a partir de acadêmicos de direito críticos como Derrick Bell, a feminista Kimberlé Crenshaw, uma das alunas de Bell, uma acadêmica de direito muito influenciada por feministas negras como Hooks fez uma crítica semelhante ao pós-modernismo no seu ensaio - Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color, de 1991, que desenvolveu a base para o conceito muito influente de interseccionalidade que ela havia apresentado dois anos antes, em uma obra ainda mais polêmica.Mas, o que é interseccionalidade? Segundo as autoras também adeptas do "wokismo" Sirma Bilge e Patricia Hill Collins na sua obra - Interseccionalidade, definem da seguinte forma:
"A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de poder influenciam as relações sociais em sociedades marcadas pela diversidade, bem como as experiências individuais na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera que as categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas." (BILGE, S e COLLINS, Patricia H. p.18).
Resumidamente, a interseccionalidade reconhece com precisão que é possível discriminar singularmente alguém que se enquadra em uma “intersecção” de identidades oprimidas, como por exemplo, ser negra e mulher, ou por exemplo uma mulher negra pode enfrentar os preconceitos habituais contra ela pelo fato de ser negra, ser mulher, até lésbica, e ao mesmo tempo também enfrentar preconceitos adicionais que se aplicam especificamente às mulheres negras.
Isso aqui para quem não entendeu é o fundamento fulcral, primordial, o ponto de partida da ideologia woke, sem o qual toda estrutura ou agenda desmoronaria. Acrescenta Kimberle Crenshaw sustentando que categorias - identitárias - “possuem significado e consequências”; em outras palavras, são objetivamente reais. Ela faz distinção entre uma “pessoa negra” e uma “pessoa que por acaso é negra”, apenas pelo fenótipo, pelas características mais básicas. Ela toma partido da primeira, afirmando que essa distinção é parte integrante da política identitária e se diferencia das abordagens liberais universais que caracterizam os movimentos pelos direitos civis.
Outra autora, chamada Rebecca Lind define a interseccionalidade como “uma perspectiva multifacetada que reconhece a riqueza das identidades múltiplas e socialmente construídas que se combinam para criar cada um de nós como um indivíduo único”. No entanto, por este método, o “indivíduo único” não é realmente entendido como um indivíduo. Como observado, o número de eixos da divisão social sob a interseccionalidade pode ser quase infinito, mas eles não podem ser reduzidos ao indivíduo. A Teoria insiste que apenas entendendo os diversos grupos e as construções sociais em torno desses grupos podemos entender verdadeiramente a sociedade, as pessoas e as suas experiências. Essa mudança conceitual facilita a identidade grupal e, portanto, a política identitária, que costumam ser radical.
No mundo, mundo real essa estrutura interna das pautas que cercam a agenda pode conflitar e se contradizer, contudo e por incrível que pareça não se abala. É como uma grande teia ou um grande dominó onde um mísero aspecto da agenda correspondente a outro. Por isso que vemos muitas vezes a falta de “respeito” dessas identidades "marginalizadas" ao mesmo tempo, como vozes únicas com a sabedoria inerente e inquestionável conectada aos seus grupos culturais, podem gerar conflito e contradição. Um caso famoso é o de Peter Tatchell, um ativista dos direitos humanos de longa data, acusado de racismo por criticar rappers negros que apresentavam raps sobre o assassinato de homossexuais. Aqui urge uma confusão no interior da agenda gerando um conflito sobre quem apoiar, quando esteticistas de minorias étnicas erraram o gênero de uma pessoa que alegava ser uma mulher trans ao se recusarem a depilar os seus testículos com base no fato de que a religião e os costumes delas proibiam o contato com a genitália masculina. Toda essa “sofisticação” mantém os interseccionalistas ocupados, internamente briguentos, divididos, se odiando, mas sempre unidos. Mas, tudo é feito a serviço de unir os diversos grupos oprimidos Teoricamente em um metagrupo único, “oprimido” ou “outro”, sob uma gigante metanarrativa abrangente de Justiça Social, que procura estabelecer um sistema de castas baseado em estados Teóricos de opressão, algo maluco? Sim, mas extremamente funcional.
Podemos ver exemplos ainda mais concretos disso na África por exemplo. Inúmeros países na África possuem leis proibindo a Sodomia, o ex-presidente do Zimbabué Robert Mugabe sempre alegou ser "homofóbico", para o etnólogo e líder queniano Jomo Kenyatta, que afirmava, desde 1938, que a homossexualidade era totalmente desconhecida entre as populações africanas. Mas, voltando a Mugabe, em 1995 ele comprou uma tremenda briga ao não permitir a participação de membros da GALZ na feira do livro de Harare, um escritor LGBT. Mugabe não teve problemas em expor a profundidade do seu pensamento da seguinte forma: " Lésbicas e gays são inferiores a Cães e porcos não merecem quaisquer direitos, representam uma forma de decadência ocidental sem qualquer ligação com a cultura autêntica do Zimbabué."
Desde a sua independência, o Zimbabué viu poucos progressos na condição dos homossexuais, até 2006, a lei punia a homossexualidade naquele país com penas que podiam chegar até dez anos de prisão, embora a reforma do Código Penal nesse ano tenha entrado em vigor tenha reduzido a pena. a uma multa e um máximo de doze meses de prisão. Segundo um estudioso do assunto chamado Marc Carlson, após longa pesquisa, conseguiu provar que a homossexualidade existia em 122 tribos no Zimbabué.
Por causa da versatilidade absoluta da interseccionalidade como uma ferramenta, cria-se uma ditadura do politicamente correto nos espaços públicos. A teoria atrai aqueles envolvidos em muitas formas de engajamento, incluindo o ativismo jurídico, a análise acadêmica, a ação afirmativa e a teoria educacional. Esse ativismo hegemônico também abraçou avidamente a interseccionalidade, sobretudo o seu conceito de privilégio, uma ideia que é resolutamente insistida, muitas vezes ao ponto de intimidar e amedrontar.
Por fim entramos na Teoria crítica da raça e a sua relação com interseccionalidade. Aqui, ambas se preocupam basicamente em acabar com o racismo mediante meios improváveis, como "tornar todo mundo mais consciente a respeito de raça em todos os momentos e lugares." As ativistas acadêmicas Heather Bruce, Robin DiAngelo, Gyda Swaney (Salish) e Amie Thurber afirmaram na Conferência Nacional de Raça e Pedagogia, na Universidade de Puget Sound, em 2015, o seguinte: “A questão não é ‘O racismo aconteceu?’”, pois isso deve ser assumido, “mas sim ‘Como o racismo se manifestou naquela situação?’”. Aqui observemos tamanha erística3. Na lógica delas devemos assumir que o racismo está sempre acontecendo, e o nosso trabalho é "examinar" as situações em busca de evidências dele independente do país ter toda uma legislação antirracista. Isso decorre da crença de que “todos os membros da sociedade são socializados para participar do sistema de racismo, embora em locais sociais variados”, e claro, que “todos os brancos se beneficiam do racismo, independentemente das intenções”. Essas alegações críticas da raça por excelência induzem alguns imperativos teóricos familiares: “O racismo deve ser continuamente identificado, analisado e desafiado e todos os brancos serão sempre culpados por ele. Obviamente que poderíamos rebater isso aqui citando um historiador como George M. Fredrickson, que escreveu um dos primeiros tratados sobre o racismo na modernidade. Fredrickson com a sua primeira "história geral do racismo no mundo ocidental desde a Idade Média ao século XX" formula um estudo que, ao estabelecer ligações e evitar anacronismos, se afasta da abordagem que encara o passado em fatias, em compartimentos por exemplo. Fredrickson distinguia o racismo informal, praticado pelos grupos sociais na vida cotidiana, do racismo institucional, patrocinado pelo Estado e assumindo a forma de política oficial, como observado no Sul dos Estados Unidos, na Alemanha e na África do Sul. O autor destaca corretamente o colapso desse racismo institucionalizado entre 1945 e 1994, apesar da persistência do racismo informal. Fredrickson realça ainda a visão racial medieval e do início da era moderna que colocava o sangue e a ascendência no cerne dos principais preconceitos e ações discriminatórias com base na informação genealógica.
O antropólogo australiano Grafton Elliot Smith nas primeiras décadas do século XX enfatizava por exemplo, a ideia de difusão cultural, Difusionismo ao invés de pressupor que a mente humana funcionava da mesma forma em toda parte, portanto, as invenções culturais poderiam se desenvolver de forma independente, e passou-se a defender como explicação a ocorrência de transmissão cultural através de diferentes processos como guerra, comércio, viagens e processos coloniais. Tudo pode se encaixar aqui, até mesmo o racismo que possuem características específicas em cada parte do mundo.
Referencias: 1 Licenciado em História pela UCSAL
2 Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor 3 Da antiguidade grega, arte ou técnica da disputa argumentativa no debate filosófico, desenvolvida sobretudo pelos sofistas, e baseada em habilidade verbal e acuidade de raciocínio. Dicionário Oxford. Bibliografia:
BELLY, Lead. The scottsboro boys. 1938
BETHENCOURT, Fredrickson. História geral do racismo no mundo ocidental desde a Idade Média ao século XX. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2018
BILGE, Sirma e COLLINS, Patricia Hill. Interseccionalidade. Ed. Boitempo; 1ª edição. pág. 288. 2021.
CASTRO, Celso. Textos Básicos de Antropologia – Cem anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-Strauss e outros. Ed. Zahar. pág.272. 2016.
CRENSHAW, Kimberle. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color. Ed. JSTOR. pág.59. 1991
FELDMAN, Ellen, Scottsboro: A Novel. 2009
GOLDTHORPE, John H.; LOCKWOOD, David; BECHHOFER, Frank; PLATT, Jennifer. The Affluent Worker: Industrial Attitudes and Behaviour. Cambridge University Press. 1968.
LIGUORI, Guido e VOZA, Pasquale. Dicionário Gramsciano. Ed. Boitempo. pág.292. 2017.
NEIMAN, Susan. A esquerda é não é woke. Ed. Âyiné. pág.240. 2024.
PLUCKROSE, Helen. e LINDSAY, James. Teorias Cinicas “Críticas” – Como a academia e o ativismo tornam raça, gênero e identidade o centro de tudo – e por que isso prejudica todos. Ed. Avis Rara. 2024.
REED, Touré. Toward Freedom: the case against race reductionism. Ed. Verso. pág. 224. 2020.
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