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Por que o Brasil perdeu sua indústria e como reverter.

Atualizado: 20 de ago.

Por Filipe Oliveira [1]


Na periferia, o problema não é a "doença holandesa", e sim um desafio estrutural brasileiro. Reverter a desindustrialização requer compreender suas verdadeiras causas, um fenômeno complexo que não se restringe ao Brasil. (COLOMBO, FELIPE & SAMPAIO [2], 2020).

Para contextualizar, a Revolução Industrial impulsionou a prosperidade na Inglaterra no final do século XVIII, revolucionando a produção com a mecanização e a transição da manufatura para a maquinofatura. Isso aumentou drasticamente a capacidade produtiva em setores como mineração, tecidos, tinturas, caldeiras e máquinas a vapor. Com o advento da Revolução dos Transportes, no século XIX, e a introdução dos motores elétricos e à combustão interna, a produção em massa e os ganhos de escala se tornaram ainda mais expressivos, reduzindo custos e ampliando a eficiência. (MOKYR [3], 1990).

A industrialização transformou a economia, promovendo cadeias produtivas diversificadas e agregando valor à economia. Comparada a setores tradicionais como comércio, crédito e agricultura, a indústria gerava mais renda, empregos e dinamismo econômico. Esse modelo se sustentava pelo efeito de encadeamento produtivo e pela alta elasticidade-renda de produtos industriais como siderurgia, combustíveis e petroquímicos. No período pós-guerra, a América Latina priorizou a substituição de importações, consolidando uma estrutura fabril robusta. (BÉRTOLA & OCAMPO [4] , 2012).

O movimento inverso é a desindustrialização, caracterizada pela queda na produtividade do setor manufatureiro, resultando na redução do valor agregado e do emprego na indústria. Desde a década de 1980, países como EUA, Reino Unido, França e Holanda passaram por esse fenômeno, associado ao esgotamento dos ganhos de produtividade. Esse processo foi potencializado por mudanças tecnológicas e na divisão internacional do trabalho, afastando várias nações da cadeia global de valor. Além disso, a "doença holandesa", ao lado de falhas em políticas monetárias, cambiais e industriais, agravou o problema. (RODRIK [5], 2016). Na periferia, a desindustrialização tem uma conotação regressiva, marcada pela perda de espaço do capital local. Isso resultou na desverticalização, terceirização e fechamento de indústrias, enquanto as exportações primárias cresceram e as importações de produtos industrializados substituíram a produção doméstica. Esse processo fragilizou as cadeias produtivas no Brasil, Argentina e Colômbia, reduzindo seu crescimento econômico em relação à OCDE [6] e às economias emergentes asiáticas, como China, Coreia do Sul e Singapura. (COLOMBO, FELIPE & SAMPAIO [7], 2020).

A desindustrialização pode ocorrer de forma precoce, ou seja, antes do esgotamento dos ganhos de produtividade. No Brasil, fatores como a "doença holandesa", a falta de uma política industrial eficaz e a abertura comercial mal planejada aceleraram esse declínio. Desde 1980, observa-se aumento da ociosidade produtiva, crescimento das importações, perda de relevância do emprego industrial e queda do valor agregado pela indústria. Enquanto isso, setores como serviços, finanças, construção civil, agropecuária e mineração ganharam mais espaço no PIB, embora com menores ganhos de produtividade, o que explica a desaceleração do crescimento nacional. (BRESSER-PEREIRA [8], 2010).

Estudos de Arthur Colombo, Ednilson Felipe e Daniel Sampaio, publicados em 2020, apontam quatro vertentes para explicar a desindustrialização brasileira: ortodoxa, desenvolvimentista, estruturalista e industrialista. A corrente ortodoxa atribui o baixo crescimento à rigidez dos mercados e ao tamanho do Estado, enquanto o novo desenvolvimentismo, proposto por Bresser-Pereira e Nelson Marconi, destaca a "desindustrialização precoce". Por outro lado, Luciano Coutinho e David Kupfer analisam o fenômeno sob a ótica da "desindustrialização regressiva", relacionando-o à falta de políticas industriais e de inovação. Em todas as abordagens, há uma crítica ao impacto da China, que teria impulsionado a "(re)primarização" da economia brasileira. (COLOMBO, FELIPE & SAMPAIO [9], 2020).

Uma abordagem mais ampla, inspirada em Ricardo e Marx, sugere uma questão fundamental: como um país com uma base fabril diversificada não conseguiu sustentar seu crescimento industrial? No Brasil, o declínio industrial ocorreu simultaneamente à prosperidade de setores como infraestrutura, energia e exportação de commodities. Nos últimos quarenta anos, houve privatizações, concessões e maior participação do capital estrangeiro, resultando em ganhos setoriais, mas sem disseminação para o restante da economia. (MARCONI & BRESSER-PEREIRA [10], 2013).

A explicação mais plausível é a preferência da burguesia nacional por setores de baixo risco e alto retorno, como o mercado financeiro, monopólios privatizados e exportação de commodities. Esse comportamento levou a situações paradoxais: o Brasil se tornou exportador líquido de petróleo, mas ainda importa fertilizantes, petroquímicos e até um quinto do óleo diesel que consome. A indústria química sozinha registrou importações de quase US$ 70 bilhões recentemente. (COLOMBO, FELIPE & SAMPAIO [11], 2020).

O problema central não é a "doença holandesa" nem a "maldição da abundância". O desafio está na forma como o excedente econômico é apropriado, beneficiando poucos e não sendo redistribuído por meio de redução de custos, ampliação da oferta de insumos industriais ou melhoria da infraestrutura. Para reverter esse cenário e retomar a industrialização, é essencial revisar o modelo de privatizações e reestruturar a política industrial, garantindo condições competitivas para a produção nacional. Quanto antes isso for feito, melhor. (RODRIK [12], 2016).


Notas de rodapé:


[1] Graduado em Economia com sólidas experiências nas áreas financeira e contábil, com mais de cinco anos de atuação no mercado, desenvolvendo análises, estratégias e soluções para diferentes segmentos. Atualmente, atuo em um FIDC de investimentos com presença nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, contribuindo para a gestão eficiente de recursos e a maximização de resultados.






[6] OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ou OECD em língua inglesa para Organisation for Economic Co-operation and Development).



[8] Disponível em: https://www.editora.ufrgs.br/.



[10] Disponível em: https://www.editora.ufrgs.br/.




Referências Bibliográficas:


BÉRTOLA, L., & OCAMPO, J. A. Economic Development in Latin America: Growth, Institutions, and Policies. Cambridge University Press. (2012).


BRESSER-PEREIRA, L. C. Desindustrialização Precoce e Novo Desenvolvimentismo. Editora UFRGS. (2010).


COLOMBO, A., FELIPE, E., & SAMPAIO, D. Desindustrialização e suas vertentes explicativas no Brasil. Revista de Economia, 41(3), 45-67. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/economia/article/view/10143. (2020).


MARCONI, N., & BRESSER-PEREIRA, L. C. Política Industrial e Desenvolvimento Econômico. Editora UFRGS. (2013).


MOKYR, J. The Lever of Riches: Technological Creativity and Economic Progress. Oxford University Press. (1990).


RODRIK, D. Premature Deindustrialization. Harvard University Press. (2016).

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21 de ago.
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Muito pertinente o artigo e ótima abordagem

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