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Um governo perdidinho da Silva

Atualizado: 6 de fev.

Marcos Jr. [1]

Nos meus tempos de criança e início da adolescência uma das expressões que meus pais usavam para reforçar a quão boa – ou, mais frequentemente, ruim – estava a situação de alguém era a expressão “da Silva”. Por exemplo, quando alguém dizia que estava “vivinho da Silva” era porque a pessoa estava realmente viva. Ou então, quando alguém estava “perdidinho da Silva”, era porque este estava, sem dúvidas, perdido, sem saber de onde vinha e para onde iria.

Acelerando bastante o tempo, chegamos no início de 2025, mais precisamente no começo da segunda metade do terceiro governo de Lula, cuja “lua de mel” com a opinião pública já acabara [2] antes de meados do ano anterior. E o que vemos? Tomando emprestado a expressão utilizada por meus pais, um governo perdidinho da silva: abaixo do medíocre, fraco em tentar deixar alguma “marca registrada”, que segue desperdiçando tempo em não-questões e que não sabe de onde veio, muito menos para onde quer ir, além de se mostrar meramente reativo aos “incêndios” surgidos mês após mês ao longo da sua gestão.

Não pretendo entrar em delongas quanto aos acontecimentos que evidenciam esse processo de desorientação, mas cabe uma breve menção a alguns – uns novos, outros nem tanto: um deles, em evidência ao longo do ano passado e sobretudo neste início de ano, tem sido a escalada da inflação, sobretudo a dos alimentos, a face mais sensível da alta dos preços para a população mais pobre [3]: a componente de alimentos e bebidas do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) apontou alta de 7,60%. Se considerarmos a alta apenas da alimentação em casa, esse indicador sobe para 8,02%.

Evidente que há fatores que fogem da alçada do governo, como a estiagem que atingiu boa parte do Brasil Central em 2024, além das enchentes que castigaram o estado do Rio Grande do Sul e as frequentes ondas de calor que atingiram o país, inclusive durante o inverno e o início da primavera. Essa combinação climática hostil ajudou bastante nas quebras de safra de diversas culturas que fazem parte do cardápio do brasileiro, reduzindo a oferta e, com o relativo aquecimento da economia mantido, ajudou na elevação dos preços.

Contudo, isso só reforça a necessidade de o governo retomar a política de estoques reguladores, uma promessa da campanha de Lula que muito parcialmente foi cumprida. Na verdade, a retomada dessa política só ocorreu efetivamente para o milho, conforme dados [4] da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Ou seja, longe do ideal para surtir o efeito mitigatório necessário.

Outro fator responsável para essa escalada tem sido a desvalorização do Real frente ao Dólar, que foi bastante expressiva em 2024 [5]: quase 22% em relação ao ano anterior, com a moeda americana sendo cotada acima do inédito patamar de R$ 6. O dólar mais caro impacta a economia brasileira de múltiplas formas: torna as exportações mais vantajosas, reduzindo a oferta ao mercado e tendo como consequência o aumento dos preços; encarece matérias-primas e/ou produtos finais importados, com efeitos ao longo da cadeia de suprimento, e; devido ao fato de alguns reajustes serem baseados em indexadores de preços fortemente atrelados ao câmbio – tarifas públicas como telefonia e energia, bem como alugueis, são reajustados pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), que é fortemente influenciado pelo câmbio.

Certamente que houve fatores externos que influenciaram na valorização da moeda americana, mas os ruídos internos promovidos por diferentes setores do governo e sua base de apoio ajudaram a intensificar esse processo. E isso se deve ao fato de que o governo não tem ideia do que quer no tocante à economia: ao mesmo tempo que acena para o mercado, tentando promover um ajuste fiscal a fim de zerar o déficit, portanto tenta acenar para diferentes setores da sociedade (sobretudo os que apoiaram a eleição de Lula) para expandir gastos. Não pretendo, por ora, entrar no mérito da legitimidade ou viabilidade dos mesmos, mas isso, por si, já evidencia o quanto Lula versão 3º mandato está perdido. Na tentativa de buscar agradar a todos, acaba-se agradando a ninguém.

Outro fato – e, também fator – que evidencia essa perdição tem sido a tibieza do governo em lidar com uma epidemia de dengue [6] que, pelo segundo ano consecutivo bateu recorde de casos e mortes. Para um governo que se elegeu na esteira do “retorno à ciência” enquanto eixo central nas decisões de saúde pública e que foi duramente crítico à postura do governo de Bolsonaro na pandemia da Covid-19, o fato de não conseguir tornar administrável uma endemia existente há décadas reforça as dúvidas se, caso o então candidato Haddad tivesse sido eleito presidente em 2018, uma gestão petista àquela época seria tão superior assim a do capitão. Também evidencia a total inépcia da atual ministra da Saúde, Nísia Trindade, aventada pelo governo por fazer uma gestão mais “técnica”.

Também, cabe uma menção não menos importante a política externa de Lula 3, algo que já mencionei em outra oportunidade em um artigo [7] publicado aqui – por sinal, os acontecimentos no cenário internacional, bem como a forma que o governo reagiu diante dos mesmos apenas reforçam o ponto apresentado: se por um lado há acenos aos BRICS no sentido de orientar as relações exteriores pelo prisma do “Sul global”, por outro quer colocar o país na canoa de um bloco em decadência (União Europeia) por meio de um acordo comercial com o Mercosul que será muito mais benéfico para eles do que para nós.

Ou ainda, emular um discurso soberanista com um boné “O Brasil é dos brasileiros”[8] (não que a campanha de Sidônio Martins, o novo chefão da comunicação, não seja válida, muito pelo contrário), enquanto fecha uma “parceria” [9] milionária e um tanto obscura com a multinacional Ambipar para gestão de serviços em terras indígenas. Enfim, resta saber em qual Lula 3 devemos acreditar. Esses – e tantos outros sinais – apenas reforçam um ponto claro, inequívoco e cristalino, como disse no início: Lula 3 está sendo um governo perdidinho da Silva. Sem marca registrada, sem uma direção evidente, sem saber de onde veio e muito menos para onde vai. E isso se reflete na popularidade: pela primeira vez, Lula tem desaprovação superior [10] a aprovação neste mandato.

E lembrando: 2026 está às portas. Até lá, ainda será preciso lidar com um Congresso mais empoderado diante das eleições dos novos presidentes de Câmara e Senado, uma base aliada pero no mucho (sobretudo no Centrão) e um cenário externo cada vez mais turbulento diante da escalada de guerras comerciais promovida pelo recém-iniciado governo de Donald Trump nos EUA. Nem de longe temos um cenário “azeitado” como o dos governos Lula 1 e 2.

E talvez seja por isso que Lula esteja tão perdido assim. Resta saber quando ele encontrará algum caminho (e qual será). Se encontrar, é claro.

[1] Formado em Engenharia de Produção, Especialista em Gestão Pública, servidor público e secretário-geral do Brasil Grande

 
 
 

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