95 anos da Revolução de 1930
- Gabriel Passos
- 24 de set.
- 11 min de leitura
Por: Gabriel Passos [1]

A Revolução de 1930 marcou uma das grandes rupturas da história política brasileira no século XX. O movimento pôs fim à chamada República Oligárquica ou “Política do Café com Leite”, que garantia o revezamento do poder entre as elites de São Paulo e Minas Gerais, e levou Getúlio Vargas à Presidência da República. Mais do que uma simples troca de governo, o processo representou a expressão de tensões sociais, econômicas e regionais acumuladas desde a Primeira República, abrindo caminho para a centralização do poder e para profundas transformações no Estado brasileiro.
Durante a República Velha, prevaleceu a chamada “política do café com leite”, na qual o Partido Republicano Paulista e o Partido Republicano Mineiro se alternavam na indicação à presidência da República. Dentro dessa lógica, caberia ao então presidente Washington Luís apoiar como sucessor algum representante mineiro, fosse o governador de Minas Gerais, Antônio Carlos, o vice-presidente da República, Fernando de Melo Viana — que já havia governado o estado — ou ainda outra liderança de destaque em Minas. O ex-presidente Artur Bernardes chegou a ser cogitado, mas enfrentava resistências, inclusive de Antônio Carlos. Já o nome de Melo Viana foi rejeitado tanto por Bernardes quanto por Antônio Carlos.
Entretanto, no início de 1929, Washington Luís, natural de Macaé (RJ), mas com trajetória política consolidada em São Paulo, passou a se inclinar pela candidatura do então governador paulista Júlio Prestes, também do Partido Republicano Paulista. Em março daquele ano, o jornal norte-americano The New York Times noticiava que os cafeicultores paulistas ofereceriam um banquete a Júlio Prestes em Ribeirão Preto, declarando apoio à sua candidatura e aguardando a adesão de outros estados produtores de café. Ao mesmo tempo, Minas Gerais mostrava-se dividida politicamente.
Quebrando o acordo firmado com Washington Luís de só discutir a sucessão a partir de setembro de 1929, Antônio Carlos enviou uma carta em julho daquele ano indicando Getúlio Vargas como seu candidato preferido à presidência. No documento, afirmou considerar o nome de Vargas uma solução justa e conciliadora, ressaltando sua lealdade e apoio constante à administração de Washington Luís.

Formação da Aliança Liberal
Em 1929, o presidente Washington Luís rompeu a tradição da chamada política do café com leite — o revezamento no poder entre São Paulo e Minas Gerais. Ele indicou como sucessor Júlio Prestes, também paulista, desagradando as lideranças mineiras. Como reação, formou-se a Aliança Liberal, reunindo Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Seu candidato à presidência foi Getúlio Vargas, tendo João Pessoa como vice.
Apoio de intelectuais e tenentistas
A Aliança Liberal recebeu o apoio de amplos setores descontentes. Intelectuais: jornalistas, escritores e professores que viam na candidatura de Vargas uma alternativa de renovação política, associada às ideias de modernização e ruptura com as oligarquias. A Aliança Liberal teve o apoio de intelectuais como José Américo de Almeida, João Neves da Fontoura, Lindolfo Collor, Virgílio Alvim de Melo Franco, Afrânio de Melo Franco, Júlio de Mesquita Filho, Plínio Barreto e Pedro Ernesto, de membros das camadas médias urbanas, na época chamadas de "classes liberais", que se opunham às "classes conservadoras", formadas pelas associações comerciais e fazendeiros. No Rio Grande do Sul, o grande articulador da Aliança Liberal foi Osvaldo Aranha.
Jovens oficiais do Exército que, desde a década de 1920, já defendiam maior participação política, voto secreto, fim das fraudes eleitorais e reformas sociais. Eles enxergavam na Aliança uma possibilidade de concretizar parte dessas bandeiras. A Aliança Liberal também contou com o apoio da corrente político-militar chamada "Tenentismo".
Destacavam-se entre os tenentes: Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti, Eduardo Gomes, Antônio de Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, Bertoldo Klinger, João Cabanas, Newton Estillac Leal, Filinto Müller e os três tenentes conhecidos como os "tenentes de Juarez": Juracy Magalhães, Agildo Barata e Jurandir Bizarria Mamede.
E, ainda na Marinha do Brasil: Ernâni do Amaral Peixoto, Ari Parreiras, Augusto do Amaral Peixoto, Protógenes Pereira Guimarães e ainda o general reformado Isidoro Dias Lopes, o general honorário do Exército Brasileiro José Antônio Flores da Cunha e o major da Polícia Militar de São Paulo Miguel Costa. O tenente Cordeiro de Farias, que chegou a Marechal, afirmou, em suas memórias, que os tenentes estavam em minoria no exército brasileiro em 1930, mas que, mesmo assim, fizeram a revolução de 1930.
Os objetivos e os ideais da Aliança Liberal podem ser sintetizados pela frase do presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, que afirmava, ainda em 1929, em um discurso interpretado como um presságio e uma demonstração do instinto de sobrevivência de um político experiente, ao implantar, em Belo Horizonte, pela primeira vez no Brasil, o voto secreto: "Façamos serenamente a revolução, antes que o povo a faça pela violência".



As eleições presidenciais de março de 1930 declararam Júlio Prestes como vencedor. Contudo, a oposição acusou o processo de estar marcado por fraudes e manipulações, algo já comum durante a República Velha, o que aumentou ainda mais o sentimento de revolta entre os apoiadores de Getúlio Vargas.
Nesse mesmo período, os efeitos da crise de 1929 atingiam em cheio o Brasil. A queda da Bolsa de Nova Iorque derrubou o preço do café no mercado internacional, abalando a economia nacional, fortemente dependente da exportação do grão. Produtores, comerciantes e o próprio governo sentiram o impacto. O enfraquecimento de Washington Luís acabou fortalecendo o discurso da Aliança Liberal, que defendia a proteção aos cafeicultores e a necessidade de modernizar a economia.
O movimento oposicionista ganhou ainda mais fôlego após o assassinato de João Pessoa, candidato a vice na chapa de Vargas, em julho de 1930. Sua morte transformou-se em símbolo da insatisfação popular e serviu de estopim para que a revolta se espalhasse pelo país, culminando nos acontecimentos de outubro que mudaram os rumos da política brasileira.

João Pessoa, inconformado com a quebra de acordo de Washington Luis, NEGOU o apoio da Paraíba ao candidato Júlio Prestes, apoiando a candidatura de Getúlio Vargas, gaúcho, lançado pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos. Foi formada então a Aliança Liberal, composta dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, sendo João Pessoa escolhido candidato a vice-presidente na chapa aliancista.
João Pessoa teve a coragem cívica de passar um telegrama ao Governo Federal negando qualquer apoio, daí o famoso NEGO, inserido na bandeira da Paraíba, num vermelho de sangue e preto de luto. O NEGO de João Pessoa foi um gesto de altivez que teve repercussão nacional, sendo registrado como um fato histórico: mudou a bandeira da Paraíba que, no seu todo, representa uma homenagem a João Pessoa, assassinado logo após, em 26 de julho de 1930, ainda no exercício do governo do Estado da Paraíba.
A bandeira foi idealizada nas cores vermelha e preta, sendo que o vermelho representa o sangue derramado por João Pessoa e o preto, o luto que se apossou da Paraíba com sua morte. Todos esses fatos desencadearam a Revolução de 1930, que culminou com a deposição de Washington Luiz em 24 de outubro de 1930.

Na tarde de 3 de outubro de 1930, em Porto Alegre, teve início a Revolução de 1930 com a tomada do quartel-general da 3ª Região Militar, sob o comando de Osvaldo Aranha e Flores da Cunha. Nesse confronto inicial, ocorreram as primeiras baixas do movimento.
Um detalhe simbólico mostra o peso que Getúlio Vargas atribuía à revolução: foi justamente nesse dia que ele começou a redigir seu diário pessoal, que manteve até 1942. Logo nas primeiras páginas, Getúlio recorda uma conversa com o general Gil Dias de Almeida, comandante da 3ª Região Militar, que pouco antes da ofensiva, declarou que preferiria queimar sua biblioteca a ver Minas Gerais ingressar em uma rebelião. O próprio Washington Luís também não acreditava que os mineiros chegassem a tal extremo.
Na abertura do diário, cerca de meia hora antes do levante, Vargas registrou suas reflexões sobre o peso da decisão e os riscos de fracasso:
"Quatro e meia. O momento se aproxima. Reflito e me sinto sereno, como alguém que aposta em um lance decisivo por não ter encontrado alternativa. Minha vida pouco importa diante da responsabilidade de um ato que pode definir o destino coletivo. Mas era isso que a sociedade desejava, sobretudo seus elementos mais vigorosos e determinados. Será que depois me restará apenas a decepção? Como um governo, cuja função é preservar a lei e a ordem, transforma-se em revolucionário? E se perdermos? Talvez eu seja visto como o culpado — por despeito, por ambição, quem sabe? Tenho a sensação de que apenas o sacrifício da própria vida poderá redimir o erro de uma derrota."


Foram 21 dias de combates (de 3 a 24 de Outubro de 1930, em todo o território nacional). Houve relativamente poucos combates, o país estava tão desgastado da decadente e corrupta República Velha que em várias regiões houve adesão dos militares que, em tese, deveriam defender o antigo regime como foi o caso das guarnições do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco e Tenentistas (muitos exilados da coluna Prestes).




















No Nordeste brasileiro, a Revolução de 1930 começou apenas na madrugada de 4 de outubro, devido a um mal-entendido nas ordens do comando revolucionário. A mobilização logo se espalhou pelo país. As tropas gaúchas marcharam em direção a São Paulo, mas não conseguiram derrubar o governo de Santa Catarina, que só foi tomado em 16 de outubro.
Em 6 de outubro, o The New York Times informava que cerca de 80 mil homens estavam engajados na luta. Em Minas Gerais, a revolução encontrou resistência inesperada: o 12º Regimento de Infantaria de Belo Horizonte recusou-se a aderir ao movimento. No Nordeste — na época chamado de Norte — oito governos estaduais foram derrubados pelos tenentes, embora houvesse forte resistência em Pernambuco e Bahia. O governo de Pernambuco caiu em 8 de outubro, após combates que resultaram em 150 mortos.
No dia 10 de outubro, Getúlio Vargas partiu de trem para o Rio de Janeiro, então capital federal, deixando a administração do Rio Grande do Sul a cargo de Osvaldo Aranha, e não do vice-presidente gaúcho João Neves da Fontoura, que acabou renunciando ao cargo.
Em meados de outubro, a Revolução controlava apenas parte do Nordeste e do Sul do país. Permaneciam leais ao Governo Federal os estados de Santa Catarina, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, o Distrito Federal, toda a região Norte (Amazonas, Pará e Território do Acre) e o Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso). O governo de Santa Catarina foi deposto em 16 de outubro, e os demais estados somente caíram com o fim da revolução. Segundo Barbosa Lima Sobrinho, em “A Verdade sobre a Revolução de 1930”, as tropas mineiras também ocuparam o Espírito Santo, derrubando o governo local em 16 de outubro.
No Nordeste, os revolucionários avançavam em direção à Bahia. Pelo Sul, as tropas vindas do Rio Grande do Sul se concentraram na região de Itararé, na divisa entre Paraná e São Paulo, onde forças federais e tropas paulistas aguardavam para deter o avanço. Esperava-se uma grande batalha nesse ponto, enquanto Getúlio Vargas permanecia em Curitiba acompanhando os acontecimentos. No Sul de Minas, tropas federais ainda resistiam à marcha das tropas mineiras rumo ao Rio de Janeiro.
A tão esperada "Batalha de Itararé" não ocorreu, porque em 24 de outubro, antes do confronto, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto, junto com o almirante Isaías de Noronha, depuseram Washington Luís através de um golpe militar, formando uma Junta Militar Provisória. No mesmo dia, Osvaldo Aranha foi enviado ao Rio de Janeiro para negociar a transferência do poder para Getúlio Vargas.


Após uma breve passagem por São Paulo, onde ocupou o Palácio dos Campos Elísios, antiga sede do governo paulista deposto, Getúlio Vargas seguiu em direção ao Rio de Janeiro. A cena impressionou os paulistas: soldados mineiros e gaúchos, armados com fuzis faziam a guarda de Getúlio na sede do governo estadual. Vargas chegou ao Rio de Janeiro de trem em 31 de outubro de 1930, tomou conhecimento da situação política local e só então assumiu oficialmente o governo federal.
Um cronista escreveu que em São Paulo :
" Uma multidão, como nunca antes São Paulo vira igual gritava em coro: Nós queremos, nós queremos Getúlio".
Isso na Estação da Luz, onde o trem conduzindo Vargas chegou nos últimos dias de outubro.


O legado da Revolução de 1930 vai muito além da deposição de Washington Luís e da ascensão de Getúlio Vargas ao poder, ela representou o fim da República Velha, marcada pela política do café com leite, e abriu espaço para uma nova ordem política, centrada em ideais de modernização, nacionalismo e centralização do poder.
Em Minas Gerais, mesmo sendo uma oligarquia tradicionalmente ligada aos interesses agrários, os líderes políticos já carregavam influências positivistas e nacionalistas, como se observou nos governos de Afonso Pena e Arthur Bernardes. Essa visão valorizava o papel do Estado na organização social e econômica e defendia o fortalecimento da identidade nacional, preparando o terreno para a participação mineira na Aliança Liberal que apoiou Vargas em 1930.
No Rio Grande do Sul, a tradição política tinha raízes na experiência iniciada com Júlio de Castilhos, que formulou ideias de administração estatal racional e centralizadora, e continuou com Borges de Medeiros e Flores da Cunha, promovendo reformas administrativas e fortalecendo o poder estadual. Essa trajetória gaúcha foi decisiva para a articulação da Revolução de 1930, fornecendo à liderança e o aparato político-militar que impulsionou o movimento.
O chefe da revolução, Getúlio Vargas, incorporou essas influências políticas conciliando o nacionalismo mineiro com a disciplina e experiência gaúcha, estabelecendo uma base sólido para sua ascensão, refletindo principalmente nas conquistas sociais e na consolidação do que viria a se chamar nacional-trabalhismo, que passou a orientar a política brasileira. Esse movimento introduziu leis de proteção ao trabalho, consolidou direitos trabalhistas e impulsionou a industrialização do país. Essas conquistas e bandeiras, ligadas ao fortalecimento do Estado nacional e à valorização do trabalhador, permanecem até hoje como referências para os verdadeiros nacionalistas.


Notas de rodapé:
[1] Vice-presidente do Brasil Grande -Articulista, tradutor, entusiasta da geopolítica...
Referências bibliográficas:
Artigo excelente a respeito de um tema muito importante para o país, principalmente nos dias de hoje.