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É possível “Bukelizar” a segurança pública brasileira?

Por Rodrigo Campbell [1]

Introdução

A primeira vez em que eu ouvi falar de Nayib Bukele [2] foi no início de 2023 devido às suas duras medidas contra o crime em El Salvador. Muito criticamente os jornais brasileiros e influenciadores de esquerda falaram de Bukele, o que me chamou a atenção. Eu, então, comecei a pesquisar sobre ele e seu governo para poder tirar as minhas próprias conclusões, e percebi que muito superficialmente se falava sobre o presidente salvadorenho. Críticas podem ser feitas a ele e ao seu governo, mas, com certeza, poucas pessoas no Brasil têm a capacidade para fazê-lo, simplesmente por falta de conhecimento e honestidade.

Muitas coisas podem ser tratadas sobre o governo de Bukele, pois o que vem ocorrendo em El Salvador é um profundo processo de transformação nacional. Porém, como a violência tem sido um dos temas centrais no Brasil e como a proposta de replicar os feitos de Nayib Bukele aqui já foi defendida pelos presidenciáveis Romeu Zema e Jair Bolsonaro, este artigo se concentra no tópico da segurança pública.

O objetivo deste texto é fazer, primeiro, uma apresentação do plano de combate à violência desenvolvido pelo governo de Nayib Bukele e, em seguida, fazer uma reflexão sobre a ideia de “Bukelização [3] ” da segurança pública brasileira..


Alguns dados

Mais de uma vez, El Salvador já foi considerado o país sem guerra mais perigoso do mundo. Com atuais seis milhões de habitantes, o país chegou a ter uma taxa de 108 mortes por 100 mil habitantes em 2015, um dado que nem países em guerra, como a Síria ou o Iraque tiveram. Mais de 48% das vítimas de homicídio no país são jovens entre 15 e 29 anos. Entre 2019 e 2024, 25.111 mulheres e meninas foram vítimas de violência sexual no país.


O plano de combate à violência

O plano de Bukele para combater as gangues, principalmente a Mara Salvatrucha (MS-13), o Barrio 18 (18R) e o Barrio Sureños (18S), iniciado logo após ele assumir o governo, em 2019, chamado Plan Control Territorial (PCT), realiza-se em sete fases. Cada fase foi anunciada e explicada quando estava prestes a ser colocada em prática. Das sete, seis já entraram em vigor. São elas:


1ª Recuperação de Territórios: O governo nacional fez uma investida em grande escala nos doze municípios com maior concentração de criminalidade. Foram utilizados efetivos da Fuerza Armada e da Policía Nacional Civil (PNC). O objetivo foi realizar um primeiro sufocamento financeiro nas gangues, impedindo que elas conseguissem realizar extorsão de comerciantes e auferir as taxas cobradas. Mauricio Arriaza Chicas, diretor da PNC, afirmou que o sistema de prevenção primária da violência se traduz em presença policial.


2ª Oportunidades: É a fase de reconstrução do tecido social. O objetivo é impedir que os jovens, principalmente os em situação de vulnerabilidade, entrem para alguma gangue. Mais de 258 milhões de dólares foram investidos para que jovens possam ter oportunidades de emprego e de estudo. Nisso, o presidente de El Salvador anunciou a criação da Universidad Técnica para formar mais de 100 mil pessoas em diferentes áreas. A fase “Oportunidades” começou a ser implementada nos dezessete municípios com maior incidência criminal, mas Bukele garantiu que chegará aos 262 municípios do país.


3ª Modernização: É o momento do investimento em tecnologia e melhoramento dos equipamentos da PNC e da Fuerza Armada. Um investimento de 210 milhões de dólares é destinado à modernização. Segundo Bukele, com a tecnificação e modernização, um agente poderá trabalhar de tal forma que valha por outros cinco.


4ª Incursão: Nesta fase, o efetivo da Fuerza Armada é duplicado, chegando a 40 mil agentes. O objetivo é ter um soldado por membro de gangue.


5ª Extração: Cercos militares são armados nos principais municípios salvadorenhos para capturar e prender os membros das gangues. Apesar do “estado de sítio”, a livre circulação de cidadãos não foi restringida. Nesta fase, foi inaugurado em 2023 o Centro de Confinamiento del Terrorismo (CECOT), um presídio de segurança máxima com capacidade para 40 mil pessoas.


6ª Integração: As necessidades de médio e longo prazo são o foco desta fase. O objetivo é combater a pobreza no país por meio de uma articulação entre o Estado, o setor privado, as universidades e demais setores da sociedade salvadorenha. Para isto, foi criada a Direção Nacional de Integração, que conta com um orçamento de 30 milhões de dólares anuais. Mais 18 milhões de dólares foram acrescidos para ser realizada a digitalização do sistema educacional. O lançamento desta fase foi acompanhado do projeto de lei Sistema Nacional de Integración, que estabelece o compromisso com políticas que buscam dirimir a pobreza no país e alavancar o desenvolvimento social, promovendo a formação técnica, vocacional e profissional.

Nessas seis fases, nós notamos que o PCT não é uma política de “bandido bom é bandido morto”, isto é, uma aplicação de violência policial desmedida com fins de repressão. Muito pelo contrário, é um plano que, em uma ponta, reprime o crime pela via econômica, e, na outra ponta, ataca as causas que levam os jovens, as principais vítimas da violência, a se juntar às gangues, como a falta de oportunidades de emprego e estudo. No meio, nós temos o investimento em tecnologia e equipamento para as forças de segurança e o cerco às cidades para identificar e prender os membros das maras.

É necessário nós termos em mente que o Plan Control Territorial é um plano de longo prazo. Algumas medidas tiveram efeito imediato, como as que estão dentro da fase 5, mas outras, como as da fase 2, são medidas cujo efeito e resultado se manifestam ao longo do tempo. Estas, eu acredito que, de imediato, têm mais um efeito psicológico, pois geram otimismo no seio do povo e mostram aos jovens que o Estado está preocupado com eles, procurando saídas para resolver a situação de pobreza em que eles possam se encontrar, o que pode fazer com que jovens sejam mais cautelosos na hora de escolher entre ingressar em uma gangue ou tentar uma vida honesta.

Vale lembrar que outras medidas foram tomadas entre as fases, como o bloqueio de sinal de celular nas regiões das prisões e ações para retomar o controle das prisões, que se tornaram outras sedes das gangues e centros de operações de crimes, tendo em vista que ordens eram dadas de dentro do próprio sistema prisional.


Porém….

Mesmo esse plano em vigor, com toda a sua pressão sobre o crime organizado, não foi capaz de fazer com que as gangues recuassem.

Em 2022, entre os dias 25 e 27 de março, as pandillas [4] realizaram um massacre brutal pelo país: 87 pessoas foram mortas. O sábado, 26, foi considerado o dia mais violento do século, pois 63 pessoas foram assassinadas, das quais apenas 13 faziam parte de uma gangue. Todas as outras não tinham nenhuma relação conhecida com o crime organizado salvadorenho.

No mesmo dia 27, o governo Bukele enviou à Asamblea Legislativa (legislativo salvadorenho) um pedido de instauração de regime de exceção no país todo, que foi aprovado.

Em poucos meses, as forças de segurança pública de El Salvador prenderam mais de 33 mil membros de gangues. Em janeiro de 2023, já eram 61 mil. Em julho de 2023, segundo o ministro da Segurança, Gustavo Villatoro, a cifra chegou a 71.776 detenções por envolvimento com gangues. Dentre estes, 1.100 são líderes.

O regime de exceção permite que uma pessoa fique até 24 meses presa até ocorrer o processo. Além disso, foi aumentada para 30 anos a pena por pertencer a uma pandilla.

No dia 27 de março de 2025, o regime de exceção, que é defendido pelo governo como a forma de garantir a paz e segurança dos cidadãos de El Salvador, completou 3 anos em vigência.


Aproveitando o regime de exceção: outras medidas

Dentro do regime de exceção, duas medidas se destacam, mesmo à frente das prisões em massa.

A primeira medida, aprovada pelo legislativo nacional com maioria ampla (67 votos a favor e 6 contra), é a conhecida, em espanhol, como Juicios Colectivos, os Julgamentos Coletivos. Com ela, até 900 pessoas podem ser julgadas coletivamente, isto é, podem ser julgadas em um mesmo processo legal. Se uma pessoa fez parte de uma gangue durante um certo período e foi presa durante o regime de exceção, ela pode ser julgada coletivamente pelos crimes cometidos pela organização dentro de uma zona geográfica durante o período em que ela fez parte da gangue. Os mesmos elementos probatórios dos crimes podem ser usados para julgar coletivamente várias pessoas, ainda que não se saiba com exatidão se uma determinada pessoa participou do crime sobre o qual se tem a prova ou qual foi o papel dela.

A outra medida do regime de exceção que chama atenção é a permissão para a detenção de jovens com menos de 18 anos que façam parte das gangues. Aos que têm entre 12 e 15 anos durante a autuação, a pena chega a 10 anos. Aos que têm 16 ou 17 anos, a pena chega a 20 anos de reclusão.


E o judiciário?

Ainda em 2021, bem antes do regime de exceção ser instaurado, uma reforma da carreira judicial foi realizada. Com apoio da maioria da Asamblea Legislativa, foi aprovada uma lei que determina que juízes, ao completarem 60 anos, são obrigados a se aposentar. Nessa onda, um terço dos juízes do país foram obrigados a se aposentar. Segundo Bukele, o judiciário é um cúmplice do crime organizado.

Em maio de 2021, foram aposentados compulsoriamente 5 juízes da Corte Suprema e o Fiscal General, que é como o nosso Procurador Geral. Em seguida, foram nomeados novos nove nomes para ocupar essas funções.


A Bukelização [5] da segurança no Brasil

Quando uma pessoa diz que o combate ao crime no Brasil deveria ser “Bukelizado [6] ”, ela quer uma ação firme, drástica e que produza efeitos em curto prazo contra a criminalidade. Tem-se urgência na segurança pública, já que a cada dia um novo ato de violência choca as pessoas devido ao seu nível de brutalidade.

Geralmente as pessoas querem o regime de exceção, e não o PCT, que conseguiu produzir resultados — bons resultados — em curto prazo, mas que não foi o suficiente para fazer as gangues se retraírem.

A situação de El Salvador era bem parecida com a do Brasil: organizações violentas, que controlavam territórios inteiros, realizavam extorsão de comerciantes, traficavam drogas e cometiam outros tipos de crimes, como estupro e invasão de propriedades, e que vivam em uma guerra particular. Alguns elementos delas lembram as milícias cariocas e outros as facções. Em seus territórios quem manda são elas. As leis são as delas. Não há crime se um ato como o estupro é permitido por elas.

O nome do plano bukelista [7] é bem simbólico do que o governo pretendia: Plano de Controle Territorial. O objetivo era retomar o controle sobre o território nacional, que foi fracionado entre as gangues. Não diferente é a situação do Rio de Janeiro ou da Bahia, em que as facções controlam o território em todas as suas dimensões. E não apenas o território, mas as próprias pessoas que vivem neles, determinando quais símbolos ou gírias uma pessoa pode usar ou, até mesmo as cores de uma roupa. Não faz muito tempo, nós acompanhamos no Rio de Janeiro as incursões da polícia no Complexo de Israel, uma conjunto de comunidades em que o culto de outras religiões que não o neopentecostalismo é proibido. As facções conseguiram controlar todas as dimensões da vida de um ser humano por meio da força.

Quando se discute o “método” de Bukele, o que todo mundo quer saber é sobre o regime de exceção. Em quem nós confiaríamos para ter todo esse poder nas mãos: realizar prisões arbitrárias, ter todas as forças de segurança do país sob o controle, poder fechar o congresso, colocar as forças armadas na rua para prender em massa, entre tantas outras medidas possíveis. Parte-se do princípio de que é necessário um regime de exceção para resolver o problema do crime no país. Lembremos, novamente, que o regime de exceção só veio depois, após um episódio de massacre em El Salvador. O plano mesmo era o PCT.

Eu não acredito que um regime de exceção seja necessário para o Brasil. O que o nosso país precisa, antes de qualquer coisa, é de uma atualização do Código Penal, investimento em tecnologia de segurança pública, patrulhamento real, aumento do efetivo policial nas regiões distantes das capitais e um combate à corrupção dentro das instituições policiais e judiciárias. Pode parecer uma resposta genérica e fácil demais, porém não há outro caminho. É isso mesmo. Nós temos que ter em mente que um regime de exceção não pode durar para sempre. Algo vai ter que estruturar o combate ao crime e manter a sociedade segura a longo prazo. Não há como nós decidirmos por uma medida drástica como um regime de exceção se nem o mínimo tem sido feito pelo Estado e se não temos instituições depuradas, limpas da corrupção que favorece o crime organizado. O Rio de Janeiro, por exemplo, não tem plano de segurança pública. Se o tem, é o pior possível, pois não produz nenhum melhoramento. Na verdade, a sensação é de que o estado está cada vez pior: mais áreas são dominadas por organizações criminosas a cada ano, bairros que eram calmos e seguros se tornaram muito violentos, aumento do assalto à mão armada, latrocínio rotineiro, etc. Primeiro, nós precisamos resolver as nossas deficiências para, então, entender o limite do regime padrão do país.

O Brasil é um país grande que tem uma população também grande, e que está em um péssimo momento econômico. Se o nosso Governo Federal decidisse tomar algumas medidas similares às do Plan Control Territorial que envolvem desenvolvimento social, como poderia ele garantir emprego para os jovens? Com as medidas que visam corte de gastos, como poderia o governo investir na construção de um centro de formação profissional para formar 100 mil pessoas em 2 ou 3 anos? Mesmo se tratando de investimento nas forças de segurança, amplos recursos seriam necessários para dar conta dos extensos territórios dos principais estados do país. Teria o nosso Estado as condições institucionais para realizar tamanha obra?

A expansão do crime organizado no Brasil tem mais a ver com uma ausência do Estado do que com uma presença que foi derrotada, sobrepujada... É claro que, uma vez que um território é dominado, não basta apenas colocar um ou dois policiais na esquina. É necessária uma disputa por controle territorial e ocupá-lo de verdade, com policiamento acompanhado de outros serviços básicos para a população. O que Nayib Bukele fez em El Salvador — e ainda está em curso— tem mais a ver com o desenvolvimento do crime no país e as suas capacidades para resolvê-lo do que ser uma espécie de receita a ser aplicada e moldada a qualquer realidade. Algumas pandillas nem salvadorenhas são. Elas são organizações internacionais que operam no país. Só prender muitos criminosos não será suficiente. Então, para que elas sejam de fato derrotadas, as medidas de médio e longo prazos têm que ser as que combatam o crime internacionalmente, o que só pode ser feito em colaboração com outros países. Como deve ser no Brasil, cujas organizações são eminentemente nacionais e enraizadas na vida cotidiana do povo?


Notas de rodapé:

[1] Rodrigo Campbell: Historiador e Técnico em Informática. Atua na política desde 2016, tendo passado por três partidos. Atualmente, faz parte do Brasil Grande e do Sol da Pátria. Já trabalhou na Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro e hoje é servidor público na prefeitura de Luziânia - GO.

[2] Nayib Armando Bukele Ortez: Nascido em San Salvador, em 24 de julho de 1981, é um político e empresário salvadorenho filiado ao partido populista de direita Novas Ideias. Ele é o 43º presidente de El Salvador desde 1º de junho de 2019.


[Título, 3, 5, 6 e 7] Neologismo a partir do sobrenome Bukele: A palavra "Bukelização" é um neologismo criado a partir do sobrenome de Nayib Bukele.


[4] Gangues: O termo "gangues" é utilizado para se referir a grupos criminosos como a Mara Salvatrucha (MS-13) e o Barrio 18.


Referências:


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