Do custo de manutenção das parcerias nas relações internacionais
- Marcos Junior

- 27 de ago.
- 6 min de leitura
Marcos Jr. [1]
Em uma das lições bíblicas semanais de minha igreja, o professor de minha classe falava sobre amizades de baixo e de alto custo de manutenção: em linhas gerais, as primeiras eram aquelas que, mesmo após muito tempo afastadas devido às circunstâncias da vida, demonstram sua parceria e cumplicidade tão logo se encontrem, relembrando os “bons e velhos tempos”; já as últimas são aquelas que, com certa recorrência, precisam de momentos de atenção e demonstração de forma a mantê-las em alto nível.
Alguns devem estar se indagando: “mas o que isso tem a ver com o artigo?” Vamos com calma: meses depois, já em julho, ao acompanhar as notícias de que Donald Trump, atual presidente dos EUA, decidira impor uma tarifa de 50% sobre as importações brasileiras [2] – medida essa que teve seu escopo substancialmente reduzido [3] no decreto que fundamentaria sua implementação –, a explanação feita na classe bíblica há meses cairia como luva em relação ao momento e à ideia que irei apresentar nos parágrafos a seguir.
Esta ideia, em princípio, é relativamente simples: se nos relacionamentos interpessoais existem amizades de baixo e de alto custo de manutenção, algo análogo, ressalvadas as devidas diferenças de proporção e as possíveis convergências e divergências de interesses, nas relações internacionais existem parcerias de baixo e alto custo de manutenção. Se, nas parcerias de baixo custo de manutenção, os termos são de certa maneira simples e implicam em poucos custos (políticos, econômicos, sociais, reputacionais, etc.) aos países, nas de alto custo, os termos são complexos e implicam em pesados encargos para essas mesmas nações.
E disso podemos extrair um corolário, tratando essa ideia de forma bidimensional: em um eixo – pensando no caso do Brasil e considerando que a escolha do eixo é arbitrária, optarei pelo horizontal –, estão os custos de manutenção da parceria do nosso país com outros; em outro, o vertical, estão os custos de manutenção da parceria dos outros países conosco. Assim sendo, o diagrama ficaria representado, abaixo, pela seguinte figura:

Tal como no plano cartesiano, este diagrama possui quatro quadrantes, a saber: o primeiro quadrante, com altos custos de manutenção da parceria com outro país e o mesmo deste para conosco; o segundo quadrante, com baixos custos de manutenção da parceria com outro país, mas com altos custos deste para conosco; o terceiro quadrante, com baixos custos de manutenção da parceria com outro país e deste para conosco; e, por fim, o quarto quadrante, em que o custo de manutenção da parceria com outro país é alto, mas o deste para conosco é baixo.
Cada um desses quadrantes possui suas respectivas implicações, para efeito de quais parcerias deveríamos escolher e/ou priorizar. Comecemos pelo terceiro quadrante: este seria o “melhor dos mundos”, visto que os termos de relacionamento com outro país são simples e de baixo custo e, como dizem, a recíproca é verdadeira.
Subindo, temos o segundo quadrante: alguns podem alegar que esse seria o “melhor dos mundos” pela assimetria dos termos e custos ser mais favorável a nós, mas isso só tenderia a ser verdade no curto prazo; com o tempo, seríamos obrigados a rever os termos e as contrapartidas para nosso parceiro a fim de reequilibrar a situação, ou então este poderia escolher parceiros mais vantajosos.
Em seguida, indo agora à direita, temos o terceiro quadrante, que possui um significado ambíguo: por um lado, pode significar uma parceria madura e de alto nível entre países, com elevadas contrapartidas para ambos os lados (se estas forem assumidas de bom grado por estes); por outro, pode significar um sinal de alerta de desgaste mútuo, sobretudo no longo prazo, em que, tal como nos relacionamentos interpessoais, as partes envolvidas estão mais preocupadas em manter as aparências que, de fato, desenvolver uma parceria salutar.
Mas o pior cenário, sem dúvida, é o que está presente no quarto quadrante, descendo para o canto inferior direito do plano: é o “relacionamento tóxico” ou “relacionamento abusivo”, em que assumimos altos custos com nossos parceiros, mas estes entregam poucas contrapartidas, isso quando entregam. É o tipo de parceria que, caso não seja possível sua revisão em curto prazo, precisa ser limitada ao estritamente institucional ou até mesmo abandonada.
Feitas as explicações sobre os quadrantes e o que cada um deles significa, também é preciso ainda ponderar dois pontos acerca desse diagrama: o primeiro deles, um tanto óbvio, é que os relacionamentos entre um e outro país não são estanques em relação ao tempo. Uma parceria que é o “melhor dos mundos” hoje tornar-se-á “tóxica” amanhã, e o contrário também pode ocorrer.
O segundo é que as parcerias, tendo em vista esse mesmo diagrama, tampouco possuem o mesmo posicionamento em todos os aspectos – a depender do que convencionamos por “interesse nacional”, uma parceria com um certo país pode ser o “melhor dos mundos” em uma área e “tóxica” em outra, e vice-versa. Sim, há nuances que podem tornar complexa – e em muitos níveis – até mesmo uma análise em um espectro bidimensional. Não obstante, ainda é possível avaliar, em linhas gerais, se determinada parceria vale ou não a pena. Feita essa explanação sobre o diagrama, bem como os pontos que precisam ser ponderados em relação ao mesmo, vamos pensar no caso brasileiro propriamente dito, sobretudo o contexto das recentes tensões das relações com os EUA.
Considerando o fato de que nossa balança comercial com os americanos é deficitária (desde 2009, diga-se de passagem), que setores estratégicos do nosso país possuem dependência quase umbilical de produtos e/ou serviços americanos, que a contrapartida americana às concessões de nossa parte é muito pequena – isso quando não é simplesmente inexistente, como no caso da isenção de vistos aos turistas americanos concedida em 2019 e felizmente revogada [4] neste ano, e que ainda temos interferência grosseira em assuntos internos do país, que competem tão somente a nós, é possível afirmar que a parceria Brasil-EUA, no momento atual e nos termos atuais, está no quarto quadrante. Uma parceria “tóxica” ao nosso país, portanto.
Por outro lado, a China é, atualmente, nosso principal parceiro comercial, com uma relação comercial superavitária (muito embora isso possa vir a mudar), além de ser um dos principais clientes – se não o principal – de nossas commodities e, ao mesmo tempo, compramos diversos produtos manufaturados vindos de lá. Além disso, ela não demonstra ter o mesmo grau de interferência nos assuntos internos de nosso país que os EUA. Tendo em vista isso, podemos dizer que a parceria Brasil-China está no terceiro quadrante, o “melhor dos mundos”, ainda que haja fatores de risco relacionados a nós que podem mudar esse status.
Evidente que mencionei apenas os exemplos das relações Brasil-EUA e Brasil-China por serem nossos dois principais parceiros comerciais e para não delongar ainda mais este artigo, mas, de maneira breve (e, tal como as classificações feitas nos dois exemplos anteriores, o leitor pode discordar do que apresentei, dando suas respectivas justificativas), poderia apontar a Índia, a Rússia, os países do continente africano, alguns países do mundo árabe, México, Canadá e Austrália seriam potenciais parceiros ideais para o Brasil na atual conjuntura, estando todos estes no terceiro quadrante.
Por outro lado, há países e/ou blocos que deveriam ser motivo de atenção. Um exemplo deles é a União Europeia (UE), bloco de países que querem um acordo com o Mercosul. É uma parceria que, hoje, ao menos a meu ver, está no primeiro quadrante: ainda que comercialmente vantajosa no momento, há uma série de ruídos (sobretudo políticos) por parte de alguns países desse bloco (os mais recentes vieram da França) que elevam – e muito – o custo de manutenção dessa parceria.
Outro exemplo tem sido o de Israel, país que, tal como os EUA, tem tensionado as relações com o Brasil desde o início do conflito em Gaza (o desdobramento mais recente foi o rebaixamento [5] das relações entre os dois países), sobretudo após as críticas do governo Lula à condução israelense do mesmo. Tendo em vista que nossas relações comerciais, ainda que não desprezíveis, são muito menores que as de outros países do Oriente Médio e o fato de que a diplomacia israelense já protagonizou episódios de intromissão em assuntos internos de nosso país – com histórico, inclusive, de possível assassinato [6] de oficiais do Estado brasileiro – é possível dizer que, tal como os EUA, uma parceria com Israel hoje mostra-se “tóxica”.
Evidente que esse diagrama, bem como as ponderações feitas acerca dele e os exemplos apresentados, estão muito longe de esgotar a discussão sobre as relações internacionais do Brasil. Seria uma enorme presunção de minha parte achar que isso seria o único – ou ainda o melhor – parâmetro para o tema. Mas acredito que este ensaio tenha servido como, pelo menos, uma provocação ao debate sobre algo que tem ganhado cada vez mais importância em um cenário internacional tão turbulento. Até a próxima.
Notas de rodapé:
[1] Engenheiro de produção.
[2] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/07/09/trump-manda-carta-a-lula-e-anuncia-tarifa-de-50percent-sobre-produtos-brasileiros.ghtml
[3] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/07/30/trump-assina-decreto-que-impoe-tarifa-de-50percent-ao-brasil.ghtml
[4] Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/eresp/noticias/fim-da-isencao-de-vistos-de-visita-para-nacionais-dos-estados-unidos-canada-e-australia
[5] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/08/26/israel-rebaixa-relacoes-com-brasil-apos-veto-a-embaixador-entenda-a-crise.htm
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