Brasil refém da inércia: os 5 gargalos da infraestrutura que o Estado Mínimo criou e apenas um Estado Necessário pode romper
- Jean Silas

- há 1 dia
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Por: Jean Silas¹
O custo do atraso para o povo brasileiro.
A crise de infraestrutura que imobiliza o Brasil não se resume a um problema técnico ou a um entrave natural ao crescimento. É, essencialmente, uma chaga provocada por um plano político de desmantelamento do Estado e de subordinação a uma lógica de mercado voraz e imediatista. Por décadas, a capacidade de planejamento foi abandonada em favor de uma crença dogmática de que a iniciativa privada, desprovida de uma coordenação nacional, resolveria magicamente gargalos históricos.
O resultado é um país menos competitivo, mais desigual e estrategicamente vulnerável, cujo maior custo recai sobre os ombros do povo brasileiro. Os gargalos que hoje nos sufocam são as cicatrizes de um Estado que se tornou mínimo para o povo e máximo para os interesses do mercado financeiro. O impacto desse abandono estratégico é sentido diariamente pela população, drenando a riqueza nacional e a qualidade de vida dos cidadãos:
Custo de vida mais alto: A ineficiência logística, que absorve aproximadamente 15% do Produto Interno Bruto (PIB) – um peso quase duas vezes maior do que o enfrentado pelos países da OCDE² (8-10%) –, encarece cada item que chega à mesa das famílias brasileiras. Esse é o "Custo Brasil" que o cidadão comum paga, um tributo invisível resultante da inércia e da ausência de planejamento.
Riqueza nacional drenada: As dificuldades logísticas fazem com que nossas exportações percam até 7% de seu valor. Na prática, o Brasil exporta suas commodities e produtos por preços inferiores ao seu valor real, enviando ao exterior uma riqueza que deveria ser destinada ao financiamento do nosso desenvolvimento, da saúde e da educação.
Isolamento e desigualdade: A falta de um Estado planejador resulta em exclusão. Cerca de metade das cidades brasileiras não conta com nenhum serviço de ônibus público, o que resulta no isolamento de milhões de pessoas. O acesso a saneamento básico e Internet não é um direito universal, mas um privilégio: 47% da população não têm acesso a saneamento seguro, e a cobertura de Internet em áreas rurais (54%) é drasticamente inferior à urbana, aprofundando o abismo social.
Vulnerabilidade estratégica: A dependência excessiva do transporte rodoviário, que responde por 60% do transporte de cargas, e da energia hidrelétrica coloca a soberania nacional em constante risco. Uma greve de caminhoneiros ou uma crise de água são capazes de interromper a economia e comprometer o abastecimento, uma vulnerabilidade inaceitável para um país com as ambições do Brasil.
1. O desmonte da logística soberana: rodovias precárias e ferrovias abandonadas.
Uma nação soberana é construída com base em uma rede de transportes integrada, que é a verdadeira base para o desenvolvimento, integração territorial e segurança nacional. Contudo, o Brasil escolheu um caminho que enfraqueceu essa espinha dorsal. A priorização histórica do transporte rodoviário em vez do ferroviário não foi um acidente, mas uma escolha política deliberada que favoreceu um pequeno grupo de interesses privados – montadoras, empreiteiras e petroleiras – em prejuízo da criação de um patrimônio logístico nacional.
O recente modelo neoliberal não abriu uma nova trajetória, mas fez com que se retrocedesse a um modelo do século XIX, em que ativos estratégicos eram geridos por capital estrangeiro por meio de contratos de concessão. Essa estrutura foi superada pelos projetos nacionalistas do século XX.
Análise das rodovias: asfalto para o lucro, abandono para o povo.
Os números mostram um panorama desolador. Apenas 12% das rodovias brasileiras são pavimentadas, de acordo com a extensa malha rodoviária do país. Pior ainda, quase um quarto delas (23%) está em estado "ruim" ou "péssimo". Essa precariedade não é resultado do acaso, mas do modelo que transferiu a responsabilidade do Estado para concessionárias cujo principal objetivo é o lucro rápido em corredores de alta demanda, deixando de lado a manutenção e a expansão da rede como um todo.
Isso resultou em um sistema dual: corredores lucrativos para o capital e estradas negligenciadas e deterioradas para a população e interior, fragmentando o território nacional em prol dos lucros dos acionistas. Como resultado, há um aumento de até 33% no custo do transporte, o que gera prejuízos diretos para produtores e consumidores e compromete a competitividade nacional.
Análise das ferrovias: trilhos para o esquecimento.
O abandono do transporte ferroviário é o sinal mais evidente da desintegração da nossa logística soberana. Atualmente um terço dos trilhos do país encontra-se desativado, e somente 18% da carga nacional é transportada por esse modal. Essa desistência de uma infraestrutura de baixo custo, alta capacidade e menor impacto ambiental constitui uma das maiores traições ao projeto de desenvolvimento do país.
O projeto neoliberal tomou uma decisão consciente ao renunciar a um ativo estratégico essencial para o escoamento eficaz das riquezas do interior para os portos, além de garantir a segurança nacional em um território de dimensões continentais.
A incapacidade de estabelecer uma logística terrestre integrada se reflete diretamente em outro aspecto crucial para nossa autonomia econômica: os portos.
2. Portos: a entrega de nossas fronteiras econômicas.
Os portos de um país não são apenas terminais de carga; eles representam as fronteiras de sua soberania econômica, os portões por onde a prosperidade nacional ingressa e se despede. Foi um erro estratégico colossal tratar esses ativos como um conjunto a ser dividido e entregue ao setor privado, sem um plano diretor do governo.
A crença ingênua de que a simples privatização de terminais resolveria problemas sistêmicos negligenciou a importância de um planejamento unificado que integre os portos à rede de transportes e assegure a eficácia do comércio exterior como um todo.
Diagnóstico da ineficiência: âncoras no desenvolvimento.
Quando comparada a padrões internacionais, a performance dos portos brasileiros é preocupante. É comum enfrentar longos períodos de espera para a atracação de navios, e os altos custos operacionais comprometem nossa competitividade. Essa falta de eficiência não é um problema novo. Em 1998, o custo para manusear um contêiner no porto de Santos era de US$ 350, quase o dobro do preço em Buenos Aires, US$ 180.
Essa era uma deficiência estrutural que a lógica de mercado não conseguiu resolver ao longo de décadas. Essa ineficiência se torna ainda mais preocupante ao levar em conta que 95% das commodities brasileiras exportadas dependem do sistema portuário para alcançar o mercado global. Cada hora de atraso e cada dólar adicional gasto resultam em prejuízos diretos para a economia do país.
Análise política do gargalo: o fim da logística soberana.
A falta de eficiência nos portos é uma consequência direta da falta de coordenação governamental. Ao dividir a administração dos portos, o Estado renunciou à sua função essencial de planejar a multimodalidade e de sincronizar os fluxos de entrada e saída com a capacidade das ferrovias e rodovias. Como resultado, temos os congestionamentos crônicos que observamos nas vias de acesso, que não só aumentam os custos, mas também enfraquecem a competitividade do produto brasileiro no mercado global.
O que o Brasil necessita não são terminais autônomos e rentáveis, mas de uma Logística Soberana, na qual o Estado organiza e planeja a infraestrutura como um sistema unificado a favor do progresso nacional. A mesma lógica de descaso com o planejamento estatal que gera gargalos físicos no transporte se revela de maneira ainda mais severa nos gargalos sociais, que impactam diretamente a dignidade e a qualidade de vida das pessoas.
3. Saneamento e água: a dívida social do estado mínimo.
Saneamento básico não é um serviço que o mercado deve fornecer; é um pilar da dignidade humana, um fundamento da saúde pública e uma condição indispensável para o progresso social.
A incapacidade do modelo de mercado em garantir o acesso universal à água e esgoto tratados é a evidência mais convincente da falácia do Estado mínimo e da urgência de um Estado robusto, provedor e dedicado ao bem-estar de sua população.
Apresentação da crise: um abismo sanitário.
Os números representam uma vergonha para o país. Atualmente, 100 milhões de brasileiros (47% da população) não dispõem de um sistema seguro de esgoto sanitário. Aproximadamente 10% da população ainda não têm acesso seguro à água potável. No entanto, essa tragédia social não é distribuída de maneira equitativa, expondo as profundas disparidades regionais que a falta do Estado perpetua.
Análise da causa e efeito: a falência do modelo privado.
Esses dados alarmantes não são uma coincidência, são consequência direta de décadas de redução de investimentos públicos e da falsa crença de que o setor privado, motivado pelo lucro, teria interesse em implementar infraestrutura complexa e de alto custo em regiões remotas ou de baixa renda. O "Estado Mínimo" não conseguiu cumprir sua obrigação mais essencial: assegurar direitos básicos. Ao considerar o saneamento como um produto, milhões de brasileiros foram condenados a um ciclo de doenças, deterioração ambiental e subdesenvolvimento.
Essa mesma falta de visão estratégica, que afeta a saúde e a dignidade da população, também se revela em áreas fundamentais para a autonomia do país, colocando em risco nossa segurança energética.
4. Energia e telecomunicações: vulnerabilidade estratégica em setores-chave.
No século XXI, as infraestruturas da soberania são energia e comunicações. Elas asseguram tanto a operação da economia quanto a segurança nacional e a independência tecnológica de um país. Na prática, o modelo de privatizações, que foi implementado com a promessa de eficiência, priorizou os lucros dos acionistas em vez de garantir a segurança do sistema, tarifas acessíveis para a população e investimentos de longo prazo necessários para a modernização.
Vulnerabilidades do setor elétrico: reféns do clima e da ineficiência.
O sistema elétrico brasileiro apresenta fragilidades inaceitáveis. Mais de 15% da energia consumida é perdida durante a transmissão e distribuição, um desperdício que encarece o consumidor final e demonstra a falta de investimento em manutenção e modernização por parte das empresas privadas.
Ademais, a grande dependência de hidrelétricas, apesar de ser uma matriz limpa, demonstra uma preocupante ausência de planejamento governamental a longo prazo para diversificar as fontes de geração. Essa negligência nos transforma em vítimas das crises climáticas, colocando a segurança energética de uma das maiores economias globais à mercê da incerteza das precipitações.
A exclusão digital: cidadania negada.
O cenário no setor de telecomunicações é de aumento da desigualdade. Para 61% dos lares sem acesso à Internet o principal obstáculo é o elevado custo dos serviços. A cobertura em regiões rurais (54%) é significativamente menor do que em regiões urbanas, onde estão os mercados mais rentáveis. Esse é o resultado direto de um modelo de concessões que permitiu que as empresas se concentrassem apenas no lucro, agravando o abismo digital.
Ao abdicar de seu papel indutor, o Estado permitiu que a conectividade — um bem público fundamental para a cidadania e para o crescimento econômico — se transformasse em mais um elemento de exclusão. Os entraves nos setores de logística, saneamento, energia e comunicações são, assim, aspectos de um único desafio: um modelo de Estado que abandonou sua habilidade de planejar o futuro e proteger os interesses nacionais.
5. Conclusão: a retomada do Projeto Nacional e o papel do Estado Necessário.
Os entraves de infraestrutura que prendem o Brasil não são nosso futuro, eles são o resultado direto e previsível de uma agenda política que visava o "desmonte" do Estado como planejador, investidor e protetor do interesse público. A superação desse atraso histórico não será alcançada por meio de mais privatizações ou da persistência em um modelo fracassado. A resposta reside na recuperação do controle nacional sobre os setores estratégicos e na reconstrução de um projeto de desenvolvimento autônomo.
O caminho a seguir: investimento público como motor da transformação.
É fundamental recuperar a função de um "Estado Necessário", que transcende a simples regulação para se estabelecer como o agente principal do desenvolvimento. Isso implica na reconstituição de um conselho nacional de planejamento com poder vinculante sobre os ministérios setoriais, a fim de assegurar a coerência e a visão de longo prazo. Isso implica em fortalecer o BNDES3 não só como um financiador, mas também como o suporte técnico para a organização dos principais projetos do país. Isso implica, quando necessário, a criação de novas empresas estatais para suprir lacunas importantes, como no caso de ferrovias de alta velocidade ou de uma infraestrutura nacional de dados que assegure nossa soberania digital.
O poder transformador do investimento público é indiscutível: um crescimento de apenas 2 pontos percentuais do PIB no investimento público em infraestrutura poderia aumentar o estoque de capital em 8 pontos e o produto nacional em 2,5 pontos ao longo de um período de 25 anos. Essa é a trajetória para quebrar a inércia, criar empregos de qualidade e estabelecer os alicerces para um novo ciclo de desenvolvimento.
A Mensagem Final
O Brasil tem os recursos naturais, a habilidade técnica e a determinação de seu povo para vencer todos os seus obstáculos. A chave para liberar esse enorme potencial não reside em fórmulas importadas que já demonstraram seu fracasso, mas na ousadia de reafirmar um projeto de desenvolvimento nacionalista, fundamentado na soberania, justiça social e no bem-estar de todos os brasileiros. O momento é de o Estado retomar seu papel principal na construção do futuro do país.
Referências bibliográficas:
BENITEZ, Juan Carlos; ARNOLD, Jens. Strengthening the sub-national fiscal framework in Brazil. OECD Economics Department Working Papers, n. 1790. Paris: OECD Publishing, 2024. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2025.
Notas de rodapé:
Jornalista, amante de esportes e que atualmente utiliza seus conhecimentos de escrita em prol do nacionalismo brasileiro.
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
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