Quem não vai pelo amor, vai pela dor
- Marcos Junior

- há 15 horas
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Por: Marcos Jr. [1]
Acredito eu que muitos já ouviram falar desse ditado popular que significa que, quando alguém não responde a um chamado – de outra pessoa ou, mais frequentemente, atribuído ao divino – em tempos bons, pode ser levado a isso em um contexto (bem) mais difícil, sendo as dificuldades, sofrimentos e tribulações nesta situação uma forma de alertar esse alguém para mudar o rumo de sua vida. Não que, em particular, acredite totalmente nisso, ainda que, há de se admitir, haja um fundo de verdade nessa afirmação.
Tanto que minha admissão desse fundo de verdade também considera que tal frase se aplica a vários outros contextos. Inclusive – e por que não? – na geopolítica, sobretudo quando setores da opinião pública ainda “[2] marvelizam [3]” a política internacional, tratando as querelas entre as nações sob o prisma de uma luta entre “mocinhos” e “vilões” (ouso dizer que foi um dos grandes males da onda de filmes de super-heróis nos últimos anos), quando, na verdade, há complexos jogos de interesses, frequentemente contraditórios.
Mesmo tentativas de simplificar esses jogos, como a presente em minha provocação [4] feita recentemente, cerca de um mês depois de o tarifaço contra o Brasil ter entrado em vigor, apenas ajudam a decompor em partes menores um pouco dessa complexidade, longe, portanto, de eliminá-la. Em resumo, a ideia de que haja preocupações de caráter moral de certas nações em relação a outras não passa de uma maneira de disfarçar – mal em diversos momentos, cabe salientar – os reais interesses.
Trazendo para o caso concreto em questão, assistimos a cerca de cinco meses de uma ópera bufa em que o principal setor à direita do espectro político nacional – o bolsonarismo, para ser mais exato – apostou todas as fichas em Donald Trump, o atual presidente dos EUA, para reverter a sorte de Jair Bolsonaro, seu líder político. O ápice simbólico dessa aposta foi em pleno 07 de setembro – justo no Dia da Independência –, quando um bandeirão dos EUA foi exposto [5] em uma manifestação de apoio ao expresidente na Avenida Paulista, em São Paulo.

Trata-se de uma aposta que, evidentemente, só faz sentido para aqueles que levam ao pé da letra aquele episódio do Pica-Pau [6] em que ele implora por ajuda do Tio Sam e é socorrido, naquela ocasião, por um pirata, e que realmente acreditam no papel dos EUA enquanto defensor da “democracia” e das “liberdades individuais”. Claro, é uma narrativa que não resiste à mínima investigação histórica, visto o público e notório papel americano na implementação e manutenção de regimes autocráticos e liberticidas sob os mais diversos pretextos.
E, mais claro ainda, essa narrativa esconde interesses que, venhamos e convenhamos, estão muito longe da “nobreza moral” propalada pelos americanos. Interesses esses que, de certa forma, estão postos neste ótimo artigo de Edilson Pinto e Rodolfo Laterza [7] em nosso portal. Aliás, esperar algum traço de nobreza de um presidente que trata assuntos que envolvem “razões de ser” do Estado, como relações internacionais, da mesma forma que trata de seus (obscuros) negócios no setor privado requer um enorme salto de fé.
Voltando a falar da aposta bolsonarista em Trump, a ideia era, aparentemente, simples: com os impactos do tarifaço [8] contra diversos produtos brasileiros exportados aos EUA e, posteriormente, a aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes [9], ministro do Supremo Tribunal Federal, as elites econômicas e políticas, diante da “faca na garganta” imposta pelo governo americano à economia e às instituições nacionais, se renderiam à total capitulação às demandas bolsonaristas, entre elas a tal “anistia ampla, geral e irrestrita” e a reabilitação política de Jair Bolsonaro para a disputa presidencial de 2026. Curiosamente, a mesma pessoa que “está pelas últimas” ao estar hoje presa estaria pronta para subir a rampa do Planalto em 06 de janeiro de 2027. Vai entender...
No entanto, o efeito disso foi o exato oposto: as elites econômicas, longe de engrossarem o coro bolsonarista, mostraram indiferença – quando não hostilidade – à causa deles. Já as elites políticas, que até pensavam em acenar alguma forma de anistia aos envolvidos nos episódios de 8 de janeiro de 2023, praticamente sepultaram qualquer chance disso, limitando-se a uma mudança na dosimetria das penas, proposta essa aprovada na Câmara dos Deputados [10] e que está em tramitação no Senado.
Por sua vez, o discurso de defesa da soberania nacional, que chegou a ser emulado pelo próprio Eduardo Bolsonaro em um vídeo em que rasgava seda para Getúlio e prestava certa deferência para João Goulart, o Jango [11] – ao mesmo tempo em que estava nos EUA junto com o empresário Paulo Figueiredo para articular sanções contra o país e agentes do Estado brasileiro –, foi jogado para o colo de Lula e o séquito petista, e até mesmo o próprio Supremo Tribunal Federal [12] (STF) resolveu embarcar nele. A propósito, voltando a falar de Lula, se até o meio do ano a discussão era se ele de fato disputaria as eleições presidenciais em 2026, hoje essa é se ele ganhará no segundo ou mesmo ainda no primeiro turno.
Acredito que alguns leitores estejam se perguntando: “Onde você quer chegar com essa volta toda?”. Calma que vamos chegar no ponto, mas antes do mesmo é preciso traçar a trajetória que levou ao mesmo: no dia 26 de outubro, após intensa articulação diplomática, Lula e Trump se encontraram [13] na cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), e tiveram uma reunião “muito positiva” com saldo final “ótimo”, nas palavras de Mauro Vieira, Ministro das Relações Exteriores. O chanceler, na ocasião, ainda acrescentou o seguinte na ocasião:
“Trump declarou admirar o perfil da carreira política do presidente Lula, já tendo sido duas vezes presidente da República, tendo sido perseguido no Brasil, se recuperado, provado sua inocência, voltado a se apresentar e, vitoriosamente, conquistando o terceiro mandato.”
Nisso já estava clara a “química [14]” que estava pintando entre os presidentes brasileiro e americano – ou, nas palavras do próprio Lula, uma “indústria petroquímica [15]”, conforme também abordei na última edição de outubro [16] do Balanço Nacional, junto com meus colegas de bancada Eric Porto e Gabriel Passos. Isso ficou ainda mais evidente com a queda do tarifaço [17] para diversos produtos no dia 20 de novembro, em função dos impactos dele para a inflação dos alimentos nos próprios EUA.
Diante do claro recuo de Trump em relação às medidas tomadas contra o Brasil – o que, se comparado aos discursos irredutíveis do deputado federal Eduardo Bolsonaro e de seu escudeiro, o empresário Paulo Figueiredo, em relação à postura do presidente americano, já dava sinais de que o bolsonarismo se encaminhava para a derrota –, nesta última sexta-feira, 12 de dezembro, veio o “golpe de misericórdia” por parte do suposto aliado: o governo dos EUA retirou Alexandre de Moraes e sua esposa da lista de sanções [18] da Lei Magnitsky. A montanha do caos prometida pela direita brasileira pariu um rato.
Aliás, se há caos, este tomou conta da própria direita por conta da “surpresa” de Trump: a esperança em relação ao “cavaleiro branco” da direita internacional tornou-se decepção e incredulidade diante do “abandono” daquele que supostamente resgataria o Brasil de uma suposta “ditadura”. Como se os EUA, ao longo da história, não tivessem um retrospecto de abandonar antigos aliados às feras sem a menor cerimônia. Como se o próprio Trump já não tivesse reproduzido esse comportamento com outros países em outras ocasiões. Como se não fosse evidente, ainda, que, enquanto a direita bolsonarista oferece promessas [19] bonitas caso volte ao poder em 2027, o que Trump quer [20], na verdade, quer agora. E, ao que tudo indica, Lula está disposto a oferecer o que ele quer.
E é este, talvez, o ponto passível de crítica diante de um recuo do governo americano das medidas contra o Brasil: a que custo saiu isso? O que o governo Lula ofereceu em troca? Em que termos se dará esse oferecimento? Esses termos nos favorecem no tocante ao desenvolvimento e soberania nacional? São perguntas que, certamente, precisam ser respondidas. Mas a principal oposição a Lula, também certamente, não tem nenhuma legitimidade moral para fazê-las, dada a postura adotada.

Não foi por falta de aviso ou sinal que a direita brasileira deveria entender que os únicos compromissos que Trump possui são com ele próprio e o povo americano, que o elegeu (mais frequentemente com o primeiro, registre-se). Em 2020 mesmo, quando Trump e Bolsonaro estiveram concomitantes na presidência de seus respectivos países, o presidente americano impôs restrições à importação de produtos siderúrgicos para o Brasil, a despeito do suposto bom relacionamento – na verdade, era uma rasgação de seda sem qualquer contrapartida – por parte do presidente brasileiro. Seria uma oportunidade de reconhecer que não existem amizades entre nações, apenas jogos de interesses que, quando muito, são convenientes para ambos os lados.
Podiam ter aprendido há, pelo menos, cinco anos, pelo amor. Agora precisam aprender pela dor.
E bem-vindos à realpolitik [21].
Notas de rodapé:
Engenheiro de Produção.
Neologismo a partir do termo MARVEL, da língua inglesa marvelous, aqui empregado, como corruptela da marca MARVEL® - cinema.
Disponível em: https://www.brasilgrande.org/post/lula-maduro-a-integra%C3%A7%C3%A3o-latino-americana-e-a-necess%C3%A1ria-realpolitik.
Disponível em: https://www.brasilgrande.org/post/do-custo-de-manuten%C3%A7%C3%A3o-das-parcerias-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-internacionais.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gMNSshevDII.
Disponível em: https://www.brasilgrande.org/post/polariza%C3%A7%C3%A3o-ideol%C3%B3gica-e-o-impacto-na-pol%C3%ADtica-externa-do-brasil.
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/07/09/trump-manda-carta-a-lula-e-anuncia-tarifa-de-50percent-sobre-produtos-brasileiros.ghtml.
Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/07/30/eua-sancionam-moraes-lei-magnitsky.ghtml.
Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-retiram-moraes-e-esposa-de-lista-de-sancoes/.
Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2025/12/7313235-moraes-sobre-fim-de-sancoes-vitoria-da-soberania-nacional.html.
Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-10/lula-se-reune-com-trump-na-malasia-e-discute-relacoes-entre-brasil-eua.
Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-trump-ligou-para-mim-e-disse-lulinha-pintou-uma-quimica/.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c7408y3weezo.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uFf9VeZZbOA.
Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-retiram-moraes-e-esposa-de-lista-de-sancoes/.
Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/fernanda-magnotta/internacional/reversao-de-magnitsky-reflete-pragmatismo-em-tempos-de-realpolitik-mineral/.
Termo que se refere mais à política externa, centrada no pragmatismo e no interesse do Estado... Originado do alemão, entende-se por "política realista".
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