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Brigadeiro Hugo Piva - O Pai do Programa Aeroespacial Brasileiro

Atualizado: 20 de jul.

Gabriel Passos [1]


Existe outro grande personagem do PEB que merece ser citado devido à sua grande contribuição e importância para o programa durante um período de quase 20 anos (entre 1969 e 1987), quando chefiou as pesquisas do antigo Centro de Tecnologia Aeroespacial - CTA (atual Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial - DCTA), época em que o mesmo era conhecido no Brasil e no exterior como o "Von Braun brasileiro".

Refiro-me ao militar de carreira e engenheiro aeronáutico Brigadeiro do Ar Hugo de Oliveira Piva, formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica em 1958 (T58), PhD em Aeronáutica e Matemática Aplicada pelo California Institute of Technology (CALTECH) de Pasadena (EUA) em 1968, piloto de caça recordista brasileiro de tiro aéreo de aeronaves P-47, diretor do CTA no período de 17/01/1984 a 26/01/1987 e mais recentemente (2003) nomeado Membro Honorário da Society of Experimental Test Pilots (SETP), em Los Angeles (EUA), durante a realização do 47º Simpósio Anual da entidade.

Fundada há 50 anos, a SETP, com sede na Califórnia, reúne pilotos de prova com vasta experiência em aeronaves experimentais. Os membros honorários são selecionados cuidadosamente entre eminentes personalidades do campo aeronáutico mundial, com ênfase nos ensaios em voo. Nesse meio século de existência da SETP, essa honraria foi concedida a 105 membros, dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Suécia, Rússia e Brasil.

Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) – hoje Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA)
Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) – hoje Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), localizado em São José dos Campos (SP). Fotos: ITA

Um exemplo muito interessante foi a sua participação no projeto e desenvolvimento do “Beija-Flor”, um helicóptero experimental (motor a pistão de 240 HP, dois tripulantes) com inúmeras inovações nunca utilizadas em nenhum outro helicóptero, como rotor principal semirrígido, motor horizontal frontal, dois rotores de cauda ortogonais, etc. Os trabalhos foram feitos no CTA e a máquina ficou pronta para voar em 1959. Sendo um helicóptero experimental com tantas inovações, cada voo gerava muitas modificações que alteravam completamente as suas características dinâmicas. Cada vez era como testar uma nova aeronave. Foram feitas umas cem horas de voo durante o desenvolvimento, até que o projeto foi encerrado por falta de recursos.

Um fato curioso ocorreu em sua carreira quando foi classificado de “perigoso” pela CIA, em função da ajuda tecnológica no desenvolvimento de mísseis balísticos para o regime de Saddam Hussein, durante as suas passagens pelo Iraque nos anos 70 e 80.

O Sistema de lançamento de mísseis Astros do Brasil
O sistema de lançamento de mísseis Astros do Brasil. Foto: Avibras.

Entre 1984 e 1989, o Iraque havia comprado do Brasil 80 aeronaves de ataque ao solo Tucano, mais de 1.600 veículos blindados entre os modelos de transporte de tropas e de reconhecimento, além de ter sido um dos primeiros países a comprar o sistema brasileiro de artilharia de mísseis e foguetes para a saturação de área, o Astros 2. O Brasil enviou 80 unidades desse sistema para o Iraque.

4º Festival de Fotografias Militares 2020
Exibição militar do sistema de mísseis brasileiro Astros 2 ocorreu no 4º Festival de Fotografias Militares em 2020. Foto: Exército Brasileiro.

Caro leitor(a), você sabia que o sistema de mísseis brasileiro Astros 2 ajudou o Iraque a enfrentar mais de 1 milhão de soldados da OTAN na Guerra do Golfo? Essa arma poderosa retardou a coalizão internacional.

A seguir, uma entrevista [2] do Brigadeiro publicada pelo "Jornal Vale Paraibano" de 07 de janeiro de 2007, em que o Brigadeiro fala sobre sua carreira.

Major-brigadeiro Hugo Piva, pioneiro do programa espacial brasileiro
Uma Mente Brilhante. Foto: Carlos Santos/G1.

O Brigadeiro Hugo de Oliveira Piva chegou a São José na década de 1950 para fazer história: foi o melhor aluno do ITA, diretor do CTA e até consultor militar de Saddam Hussein nos anos 70.

Com uma lucidez invejável para quem já quase completou 80 anos, o Brigadeiro Hugo de Oliveira Piva recebeu nossa reportagem para uma conversa em seu escritório. "Sobre qual assunto?", perguntou no primeiro contato. Na realidade, essa resposta não tem importância alguma: o Brigadeiro Piva consegue conversar sobre qualquer tema, de vinhos a foguetes.

Aprovado com louvor no ITA, em São José dos Campos, recebeu o título summa cum laude, dado ao aluno que durante todo o curso e em todas as disciplinas tenha recebido média igual ou superior a 9.5, numa escala de 0 a 10.

Considerado o "Von Braun brasileiro" – cientista alemão tido como o pai do foguete Saturno 5, que levou os astronautas americanos à Lua – o Brigadeiro talvez seja mais importante do que o próprio Von Braun. Afinal de contas, estamos falando de uma realidade bem diferente, que não teve e nem tem o mesmo apoio que a NASA.

Foi pioneiro dos ensaios de voo no Brasil e diretor do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) entre 1984 e 1987 e consultor militar de Saddam Hussein na década de 70. Não compreende a situação aeroportuária brasileira e sente saudades do governo militar.


Qual é a sua relação com São José dos Campos?

É minha terra. Não nasci aqui, mas cheguei aqui antes de todo mundo, em 1954. De lá para cá, a cidade ganhou quase 600 mil habitantes, então eu sou mais joseense do que pelo menos 600 mil que chegaram depois. (risos)


A paixão por aviões surgiu na infância?

Desde pequeno, sempre tive muita vontade de ser piloto. Minha família achava que talvez fosse um sonho de criança e que isso iria passar. Depois, quando eu resolvi ir mesmo, minha mãe ficou muito assustada.


Deve ter ficado, afinal, o senhor foi piloto de testes. Ser piloto de prova é como ser um amestrador de leões, um bife com autoconfiança?

(Rindo muito) Um bife muito otimista! É mesmo porque naquele tempo era exatamente isso, não tínhamos computadores, existia um túnel de vento arcaico que não permitia fazer nenhum ensaio dinâmico, de modo que quando eu ia pilotar o avião era surpresa total.


E o senhor não tinha medo? Confiava nos engenheiros?

É, eu também dava olhada né! (rindo). É um desafio muito interessante, para quem gosta de adrenalina.


Como começou sua história com a aviação?

Eu fui para a escola da aeronáutica porque eu queria ser aviador, mas não só aviador, queria ser piloto de caça. Durante a guerra, o Brasil enviou um grupo de caça do qual os pilotos foram heróis fantásticos. Eu tinha muito orgulho deles. Fiquei cinco anos em Santa Cruz convivendo com aqueles heróis. Quando passou para o motor a jato, eu resolvi ser engenheiro.


O que representa o ITA na sua vida?

Uma parte importantíssima da minha carreira. O instituto me permitiu que ficasse no CTA, onde trabalhei no desenvolvimento do Beija-Flor, por exemplo, um helicóptero bastante avançado para a época, cheio de novidades.


É verdade que cada voo do Beija-Flor era uma surpresa?

O helicóptero é uma máquina que não pode voar! (risos). Hoje é fácil, existe um piloto automático que cria essa estabilização. Na época, mudávamos muito o projeto.

Beija-Flor: primeiro helicóptero projetado e construído no Brasil
Beija-Flor: primeiro helicóptero projetado e construído no Brasil. Foto: Defesa aérea e naval.

Apesar de tantos riscos, é verdade que o senhor sofreu apenas um acidente grave?

Não foi grave, na verdade. Foi com o Beija-Flor, que ficou destruído após o acidente, mas eu saí ileso. O motor parou e eu não tinha o que fazer.


O que acha de ser chamado de "Von Braun brasileiro"?

Acho muita coisa, ele teve um valor muito grande. Tem que fazer uma proporção.

Em uma de suas declarações, o senhor diz que a falta de verba foi a causa do acidente com o VLS.


Por que o Brasil investe tão pouco em pesquisa?

Porque as pesquisas sempre dão resultados durante seu desenvolvimento, mas são pequenos perto do objetivo final de um projeto. O governo quer saber apenas o que vai acontecer na próxima eleição. Projetos assim levam mais de quatro anos. Isso nunca tem a prioridade, a não ser quando o governo tem estadistas. No governo militar era bem melhor. A soberania de um país se mede pela quantidade de tecnologia de ponta que ele possui.


O que o senhor sentiu quando soube do acidente com o VLS?

Muita raiva. Claro que eu senti muito pelas famílias, mas não precisava ter acontecido, não podia ter acontecido. Foram muitos erros.


Hoje, quais são as perspectivas para o programa espacial brasileiro?

Eu estou muito pessimista porque a legislação brasileira impede que um órgão público faça qualquer coisa séria. Não é possível fazer um grande projeto como esse sem a iniciativa privada. A NASA é do governo, mas contrata fora, sem concorrência e licitações, chama os melhores profissionais e não o melhor preço.


E o apagão aéreo?

É uma falta de vergonha, o Brasil tem um tráfego aéreo enorme e nunca aconteceu um problema desses! Isso foi plantado lá! Quem paga toda essa besteira é a população.


Como era o Saddam Hussein?

Pessoalmente, eu tive pouco contato com ele, mas era uma pessoa afável e educada.


Quais são as perspectivas para o Iraque com a morte de Saddam?

O caos. Ele era o homem que segurava o Iraque assim como segurava o Oriente Médio todo. Ele foi condenado pela morte de 150 pessoas, e o Bush? Quantas pessoas matou? Quem vai enforcá-lo?


Fonte: Jornal Vale Paraibano - Entrevista publicada no dia 07/01/2007.


Notas de rodapé:

[1] Vice-presidente do Brasil Grande - Articulista, tradutor, entusiasta da geopolítica...

[2] O texto foi corrigido conforme o Novo Acordo Ortográfico.

1 Comment

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Vinio
Jul 20
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Eu o conheci, era sobrinho de uma tia e quando esteve em Passadena no Texas uma vez pedi para ele comprar para mim aeromodelo pois aqui quase não havia.

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