Sionismo Cristão
- Renzo Souza
- 16 de jul.
- 8 min de leitura
Renzo Souza Santos [1]
Nos últimos tempos o apelo escatológico por Israel no Brasil tem ficado cada vez mais extremado. Basta você mesmo sair da sua casa e verá diversos símbolos judaicos exaustivamente explorados em pequenos ministérios, tanto por grupos autodeclarados "evangélicos" como a Igreja Betlehem, que usa de forma vasta símbolos judaicos e celebra as festas de Israel (Shabat, Pessach, Shavuot, Sucot, Yamim Noraim, Purim e Hanukah).
Esses exemplos são apenas algumas características que representam esse universo bastante amplo de uso de simbologia judaica por parte dos evangélicos. São comunidades lideradas por figuras importantes do cenário evangélico brasileiro que fazem uso da simbologia judaica de maneira distinta, com objetivos igualmente diversos: Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo.
Edifícios majestosos das grandes igrejas, como o Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, com capacidade para 10 mil pessoas. Essa mesma Igreja (Universal do Reino de Deus) liderada por uma figura medonha como Edir Macedo usa de simbologia em seus rituais de exorcismo, além do Templo de Salomão e outros projetos, como museus de história bíblica; Ministério Engel (liderado por Joel Engel), com uma “escola de profetas” e amplo uso de talits, quipás e menorás, além de comemoração de festas judaicas dentre outras bizarrices.
Mas qual é a origem disso tudo?
Segundo alguns especialistas, as origens do sionismo cristão encontram-se de forma mais próxima na teologia do dispensacionalismo do século XIX, uma abordagem à interpretação bíblica que surgiu na Inglaterra por meio dos esforços dos ministros anglicanos como: Louis Way e John Nelson Darby, posteriormente desenvolvida pelos pastores americanos Cyrus Ingerson Scofield e Clarence Larkin. Essa doutrina do "dispensacionalismo" pode ser brevemente definida da seguinte forma:
"Como uma forma de pré-milenismo que afirma que o mundo passará por um período de tribulações cada vez piores antes do retorno de Cristo. Além disso, de acordo com a doutrina do "Arrebatamento" de Darby, os "cristãos nascidos de novo" serão literalmente transferidos para o céu antes da vinda de Jesus."
No entanto, uma vez que se baseia na crença de que o retorno de Cristo é predito nas profecias do Antigo e do Novo Testamento, o dispensacionalismo sustenta que o retorno dos judeus à Palestina é um "evento-chave" no processo pré-ordenado que levará à Segunda Vinda de Cristo. Mas é possível encontrar essa tese da conversão dos judeus ao cristianismo muito antes, a partir das correntes Milenistas.
Uma das afirmações das doutrinas milenistas, com base no texto bíblico de Romanos 9 - 11, é que os judeus aceitarão Jesus como seu Messias. Nas versões mais antigas dessa interpretação, está implicada apenas a conversão; nas versões de um século para cá, significa também a restauração nacional na Palestina. Um dos primeiros a prever a conversão iminente do povo judeu, considerado por isso o pai da doutrina da restauração (Restauracionismo) dos judeus em Jerusalém, foi o clérigo inglês Tomas Brightman (1562-1607). Depois dele, outros protestantes também defenderam a ideia de que, um dia, os judeus viriam à fé em Cristo e se tornariam parte da igreja cristã.
Voltando ao dispensacionalismo, segundo eles por causa da corrupção da igreja em todas as suas manifestações históricas – o catolicismo, as igrejas reformadas e as confissões protestantes –, emerge o conceito de dispensação, que é a maneira pela qual “Deus revela algo para a humanidade, que esta não consegue cumprir, e com isso surgem uma nova dispensação e uma nova revelação”. A ideia não era nova: Ireneu de Lyon mencionou quatro dispensações: o pacto com Adão, até o Dilúvio; com Noé, até o êxodo; com Moisés, até o nascimento de Jesus; com Cristo, até o fim dos tempos. Entretanto, se em interpretações pregressas havia a convicção de a igreja ser o povo redimido final e manifestação da vontade de Deus, em Darby ela se tornou uma dispensação que falhou como as outras.
Segundo Darby, Deus nunca restaurou uma dispensação fracassada, mas sempre promoveu um novo meio de lidar com o ser humano. Mas para Darby, o fato de a igreja visível estar em ruínas não implicava a inexistência de um verdadeiro corpo de Cristo.
A assembleia dos crentes é a reunião dos salvos em nome de Cristo, com a ação do Espírito Santo, livres de autoridades externas (como as instituições). Essa igreja é o corpo de Cristo como entidade separada para a qual os verdadeiros crentes são conduzidos. Como parte do corpo de Cristo, ela tem uma existência celestial, e este é um ponto fundamental de sua eclesiologia: “A igreja não é terrena, mas celestial, pois sua existência está em Cristo”. O fato de não ser terrena é uma das bases para a ideia de arrebatamento pois a igreja precisa ser compreendida como celestial e composta por pessoas celestiais, associadas a Cristo em sua glória. Portanto, qualquer restauração da noiva [2] de Cristo só será possível na eternidade, quando o Senhor a reunir para si mesmo. Só então ela estará reformada conforme seu propósito original.
As visitas de John Darby na América do Norte foram sementes para a difusão do dispensacionalismo entre os americanos e a expansão disso ao mundo. Ali, encontraram bom solo entre os respeitáveis ministros protestantes avivamentistas, líderes das agências missionárias e pastores de grandes igrejas conservadoras.
Nesse contexto, foram importantes as conferências bíblicas de verão, promovidas pelos movimentos conservadores que estavam em sua fase inicial de organização. Entre seus promotores, figuravam pré-milenistas conhecidos, como: James Inglis e George Needham. Na agenda dos encontros, incluía-se a fé dispensacionalista, por meio das exposições de Brookes sobre o arrebatamento pré-tribulacionista típico de Darby. A partir de então, decidiram reunir-se novamente em Watkins Glen, Nova York, sob o nome de Believers’ Meeting for Bible Study (Encontro de Crentes para Estudo da Bíblia), em que o tema da volta de Cristo e de seu governo sobre Israel, a igreja e o mundo receberam atenção especial. Novos encontros foram realizados em Old Orchard (1881, Mackinac Island 1882 e Niagara-on-the-Lake, Ontário, Canadá de 1883 a 1897). Com inspiração nesses encontros, foi promovida a primeira Conferência Bíblica e Profética Americana, realizada em Nova York, em 1878, e um segundo encontro em Chicago, no qual os defensores do dispensacionalismo ganharam proeminência.
Porém, após a fundação do Estado de Israel em 1948 e a vitória israelense na Guerra dos Seis Dias em 1967 impulsionaram o dispensacionalismo ainda mais. Como representantes de uma corrente teológica profética que aparentemente estava se cumprindo – uma vez que, de fato, Israel havia se tornado uma nação organizada na Terra Santa –, os dispensacionalistas lançaram-se em uma indústria nova e crescente: a da profecia bíblica. Dominando a linguagem dos meios de comunicação mais modernos, atingiram em cheio a cultura popular.
Essa habilidade de se comunicar com as massas já se percebia em nomes como William Blackstone, cujo livro Jesus is Coming tornou-se um sucesso de vendas em seu tempo. Também a Bíblia de Scofield com seu apelo visual e linguagem acessível, tornou-se extremamente popular. O maior exemplo dessa capacidade comunicativa, porém, deve ser creditado a Hal Lindsey. Lindsey é um pastor formado no Seminário de Dallas, instituição em que estudou o dispensacionalismo com seus principais teólogos.
Isso não seria suficiente. Era preciso uma expansão, uma "americanização" de toda tradição evangélica no mundo, incluindo a brasileira que se dá por várias razões.
Uma delas está na origem eclesiástica da maior parte das denominações protestantes históricas. Mesmo o luteranismo, de origem alemã, tem um vínculo americano pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil, que veio do Sínodo do Missouri. Já o protestantismo missionário tem praticamente todas as suas vertentes como resultado de um impulso inicial americano.
Além das igrejas missionárias, diversas instituições paraeclesiásticas norte americanas chegaram ao Brasil depois da metade do século 20. A partir dos anos 1970, o Brasil recebeu ainda mais organizações, como Jovens da Verdade, Palavra da Vida, Mocidade para Cristo e Sepal (Serviço de Evangelização para a América Latina), que abriram caminho para que jovens de diferentes igrejas se reunissem e se conhecessem em congressos, acampamentos, campanhas, reuniões de estudo, institutos bíblicos e seminários teológicos.
A inauguração da informalidade desse ecumenismo entre os projetos conservadores de igrejas produziu um campo fértil para a divulgação de ideias e teologias de origem americana. Foi justamente nesse meio que o dispensacionalismo penetrou com sucesso.
O “protestantismo” que deu certo no Brasil foi o pentecostalismo, porém, a ligação original com os Estados Unidos, nesse caso, não existe. Como aponta Gedeon Alencar, as Assembleias de Deus, apesar de terem berço americano, foram trazidas pelos europeus lá residentes, o que fez muita diferença. Segundo ele, as igrejas das primeiras décadas não tinham ligação nenhuma com o American way of life e acabaram seguindo um caminho bem distinto. Entretanto, a influência dos Estados Unidos emergiu a partir dos anos de 1950, quando o pentecostalismo recebeu cada vez mais inovações teológicas e institucionais de missionários americanos que chegavam ao Brasil, além de muito dinheiro e apoio Midiático. Chegava a era do Televangelismo.
A influência americana observada na “primeira onda” do pentecostalismo foi mais explícita na “segunda onda”, iniciada pelos missionários dos Estados Unidos na fundação da Igreja Quadrangular. Por fim, a influência americana na “terceira onda”, o neopentecostalismo, também foi profunda, especialmente pela importação da doutrina da prosperidade, formulada por Kenneth Hagin.
Kennet Hagin foi um dos muitos autores americanos traduzidos no Brasil, como Tomas Lee Osborn, Frank Peretti, Benny Hinn, C. Peter Wagner entre outros. Além disso, muitos brasileiros foram estudar em seminários teológicos americanos e outros tantos pregadores foram trazidos ao Brasil para participar de congressos como 3 preletores. O autor David Bledsoe ao fazer um levantamento da história do pentecostalismo e do neopentecostalismo no Brasil, concorda que “o pentecostalismo brasileiro tem sido um receptor do pentecostalismo americano desde o seu início”, mas não sem remodelamentos. Nunca se trata de uma transferência pura de doutrinas e práticas, por isso, “o movimento neopentecostal brasileiro mostra semelhanças e interdependências com o pentecostalismo global e americano.
Não obstante, demonstra suas próprias peculiaridades e distinções locais. A conexão histórica das igrejas brasileiras com os Estados Unidos resultou na replicação de algumas características.
A primeira é a associação voluntária do crente convertido, trazido pelos missionários avivamentistas de cepas congregacional, presbiteriana, metodista e batista. Os mais honrados herdeiros do avivamentismo tradicional americano no Brasil, porém, provavelmente são os pentecostais, com sua tradicional ênfase na experiência de fé.
A segunda característica é o fundamentalismo. A afirmação seria a fervorosa manutenção dos fundamentos da fé, ou seja, da ortodoxia protestante, presente em boa parte das igrejas evangélicas históricas e pentecostais clássicas. Já a negação é a tendência ao sectarismo, a exclusão dos “hereges” (ou seja, os que divergem em algum ponto da doutrina), considerados “impuros” ou mesmo falsos cristãos. Como há muitas ortodoxias distintas, a lista de hereges também é enorme.
Existe o efeito e traço político típico do Neopentecostalismo, é a sua hegemonia política e sua teologia do domínio. Para termos ideia, dos 57 deputados federais evangélicos que tentavam a reeleição, de um total de 75 que compunham a chamada "bancada da Bíblia," uma das frentes temáticas mais atuantes do Congresso, ao lado das bancadas da segurança pública, do agronegócio e dos servidores públicos. No total, havia 21 igrejas evangélicas representadas em Brasília. Das principais, a única que não tinha um parlamentar era a pentecostal Deus é Amor, que historicamente não se envolve com política.
Existe também o lobby turístico e artístico com o regime de Israel, promovido pelo Ministério Ensinando de Sião, autoproclamado judaísmo messiânico, mas também com forte apelo à participação de não judeus; o Ministério Internacional da Restauração (liderado por Renê Terra Nova), com uso de simbologia judaica e investimento em caravanas anuais para a Festa dos Tabernáculos em Jerusalém. Outra instituição internacional é a Moriah International Center, instituição acadêmica com programas apoiados pela Universidade Hebraica de Jerusalém. O Moriah Center promove cursos em Israel, ministrados por acadêmicos e historiadores, que combinam conferências com passeios a sítios arqueológicos relacionados com as histórias bíblicas. São cursos ministrados por pesquisadores de diversas confissões, de modo a promover o diálogo judaico-cristão por meio do estudo e mostrar a diversidade e a complexidade de Israel. Ou seja, a promoção de Israel por meio de sua conexão com o texto bíblico é central para o governo israelense manter o seu softpower, divisas e seu lobby.
A primeira Marcha para Jesus naquele país, ocorrida em 2013, por exemplo, contou com a participação do então ministro do Turismo de Israel da época um tal de Uzi Landau.
Referências Bibliográficas:
JOHNSON, Paul. La historia de los judios / A History of the Jews. Espanhol. Ed. B de Bolsillo. 2018. 960p.
MEARSHEIMER, John J.; WALT, Stephen M. The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy. Ed. Farrar Straus Giroux. 2008. 484p.
PAPPE, Ilan. Lobbying for Zionism on Both Sides of the Atlantic. Ed. Oneworld Publications. 2024. 608p.
ŞENAY Bülent. CHRISTIAN ZIONISM – Theopolitics and Biblical Myth-making. Ed. Univeritãti din Bucureşti. 2021. 117p.
Notas de Rodapé:
[1] Licenciado em História pela UCSAL
[2] Igreja= católica, reformada - Uma "aliança com a igreja"
Foto da capa:
Criada por Inteligência Artficial
Excelente trabalho!
Parabéns pelo ótimo texto! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻